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Trump quer tirar da legalidade 800 mil pessoas

Ao encerrar programa que auxilia filhos de imigrantes, afetará milhares de estudantes

Por GREG SARGENT
Atualização:

Está se tornando óbvio que, caso o presidente Donald Trump dê fim ao programa de proteção a 800 mil pessoas, os “sonhadores” que esperam não serem deportados, a repercussão negativa será feroz – talvez rivalizando com a alcançada por Trump ao perdoar Joe Arpaio ou sua recusa em condenar os supremacistas brancos de Charlottesville. Executivos advertem Trump a não correr esse risco e alguns republicanos começam a sugerir que entrarão em ação para se proteger por conta própria.

Mas a reação poderá ser ainda pior. Eis a razão. Encerrar o programa que auxilia filhos de imigrantes que chegaram aos EUA ainda crianças (Deferred Action for Childhood Arrivals, ou Daca), pode ter terríveis consequências para uma parte da população que ainda não recebeu a atenção que merece: sonhadores matriculados em escolas e universidades. Enquanto o foco tem estado compreensivelmente sobre o enorme número de sonhadores que perderão seus vistos de trabalho e empregos, caso o Daca seja suprimido, o impacto perturbador disso sobre estudantes pode acrescentar outra dimensão à história, uma que atrairá maior atenção dos meios de comunicação.

Presidente dos EUA, Donald Trump Foto: AP Photo/Evan Vucci

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O programa Daca facilitou para um grande número de sonhadores a entrada em universidades, essencialmente ao garantir o status temporário de legalidade, oferecendo-lhes estabilidade e proteção contra o afastamento, que facilitou a busca pelo ensino superior. Esse é um dos meios fundamentais pelos quais o Daca permitiu que essa população estabelecesse vínculos mais profundos nos EUA e se preparasse para um futuro no qual contribuiriam positivamente para a vida no país.

O fim do programa pode derrubar esse mecanismo. O problema não é necessariamente que, sem o status dado pelo Daca, tais pessoas não poderão mais frequentar legalmente as faculdades. Mais que isso, os democratas temem que precisarão tomar decisões muito difíceis, seja para que esses imigrantes possam continuar ou correr o risco de serem afastados no curto prazo ou não ter nenhuma certeza a respeito de seu futuro nos EUA no longo prazo. Ou ambas as possibilidades.

“Encerrar o programa apresenta uma escolha muito difícil para cada estudante, pois o valor de investir na própria educação depende se você tem ou não condições de viver e trabalhar livremente”, disse o deputado democrata Luis Gutierrez, de Illinois. “Ao se iniciar o ano acadêmico, isso pode chegar como um imenso transtorno para as faculdades.”

Na verdade, existem sinais de que as universidades já estejam avaliando o que este cenário representa. O advogado especializado em imigração, David Leopold, disse que tem prestado consultoria a universidades que lhe perguntam se, caso sejam revogadas as proteções contra deportação, isso significaria que agentes federais poderiam ir ao câmpus para realizar remoções e quais suas opções, caso isso aconteça. 

“As universidades tentam compreender qual será a política”, disse Leopold. “Sua primeira preocupação tem sido a de como proteger seus estudantes. Elas encaram isso como prejudicial para a educação. Perguntam o que fazer se os agentes chegarem ao câmpus em busca de nossos estudantes.”

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Devemos lembrar que, ao aderir ao Daca, os beneficiados compartilharam informações sobre suas identidades e localizações com o governo, facilitando seu afastamento. Claro, é bem possível que nada disso aconteça. Muito depende de como Trump suprimirá o Daca (caso leve adiante o caso). Se o sinal básico é que agora perseguiremos os beneficiários do Daca, então poderá haver afastamentos – ou pelo menos, esse é um cenário possível. 

Mas, mesmo se não houver afastamentos, mesmo que beneficiários do Daca sejam considerados uma prioridade muito baixa para remoção, muitos ainda poderão enfrentar escolhas difíceis sobre seu futuro educacional em razão das incertezas sobre sua presença nos EUA no longo prazo.

Não é fácil calcular o tamanho dessa população. Um estudo recente com mais de 3 mil “sonhadores” registrou que 45% das pessoas que responderam aos questionários estão atualmente na escola e, deste grupo, 72% fazem bacharelado ou um nível mais elevado.  Os pesquisados reportaram estar em busca de graduação em todos os tipos de campos, de engenharia civil a educação para a primeira infância ou ciências ambientais, neurociência, assistência social. Uma vez que existem 800 mil pessoas sob o Daca, essa população pode ser significativa. 

Isso pode ou não pesar sobre a decisão de Trump – ele tem de decidir se mantém ou não o programa. No entanto, mesmo se não o fizer, isso ainda pode ser importante, pois acrescentará pressão sobre o Congresso, particularmente os republicanos, para que legislem na busca de solução para os sonhadores. O espectro de pessoas obrigadas a se desfazer de suas vidas pode dar um empurrão na urgência moral e política para que o Congresso sente e faça alguma coisa. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É COLUNISTA

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