UE rejeita privilégios a Londres em negociação

Britânicos só terão acesso a mercado único se aceitarem a livre circulação de pessoas

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Por Andrei Netto CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

A União Europeia realizou nesta quarta-feira, 29, sua primeira reunião sem a presença de um representante do Reino Unido em mais de 40 anos e a mensagem enviada a Londres foi clara: os britânicos não terão acesso ao Espaço Econômico Europeu (EEE) se não aceitarem a livre circulação de pessoas em seu território. A condição foi imposta por líderes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande. 

A posição coloca o Reino Unido em um impasse, porque a exigência bate de frente com as intenções de Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e favorito para suceder o atual primeiro-ministro britânico, David Cameron. Líder da campanha pelo Brexit – a saída do Reino Unido da UE – no referendo realizado há uma semana, Johnson havia prometido aos eleitores que seu país poderia continuar a se beneficiar do mercado comum europeu mesmo se desligando do bloco. 

Merkel afirmou não ver maneiras de saída britânica do UE ser revertida após referendo Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

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Assim, o Reino Unido economizaria € 11,3 bilhões em contribuições anuais a Bruxelas – o quarto maior montante doado à UE, atrás de Alemanha, França e Itália – e ainda impediria a entrada de trabalhadores europeus. Segundo Johnson, seria até mesmo possível aos britânicos trabalhar no continente, mas não o contrário. Na terça-feira, Cameron mencionou que seu país espera inclusive que a UE reforme o Tratado de Schengen, que garante a livre circulação de pessoas, de forma que o Reino Unido possa “permanecer próximo da união”.

Essas hipóteses, porém, foram descartadas hoje pelos líderes europeus. “O acesso ao mercado único exige aceitação das quatro liberdades da UE – incluindo a liberdade de movimento”, advertiu Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, órgão executivo que reúne os chefes de Estado e de governo. “Não pode haver mercado único à la carte.” 

Sinal de que os demais 27 países da UE chegaram a um consenso, François Hollande foi ainda mais claro sobre a nova situação do Reino Unido após o Brexit: trata-se de um país “terceiro”, ou seja, de fora do bloco, e como tal será tratado. “Se quiserem acessar o mercado único, como acontece hoje com a Noruega, o Reino Unido terá de aceitar as quatro liberdades: circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas. Não se pode aceitar as três primeiras e descartar a quarta”, disse o presidente francês. “Além disso, ele deverá aceitar todas as regras e obrigações do mercado interior, a começar pela obrigação de contribuir financeiramente par seu funcionamento e suas regras.” 

Não bastasse, a City, maior distrito financeiro da Europa, não poderá mais realizar transações em euros, a moeda única da UE. “Não há nenhuma razão, ainda mais para a zona do euro, de permitir que um país que não é mais membro da união e nunca utilizou a moeda única continue a fazer operações em euros”, afirmou Hollande. “Não é possível manter as vantagens conquistadas, o que para os liberais não é fácil de admitir.”

Hollande advertiu ainda que os principais mercados financeiros do continente, o de Frankfurt e o de Paris, devem disputar investidores que hoje trabalham em Londres. “O que desejamos é que as praças financeiras europeias se preparem para oferecer um certo número de operações que não poderão mais ser realizadas no Reino Unido”, disse Hollande.

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Os líderes da UE concordaram ainda em conceder dois meses ao governo britânico antes de cobrar novamente que Londres envie a comunicação oficial pedindo o desligamento do bloco. Pelo regulamento, cabe ao país interessado ativar em carta formal o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que estabelece as bases legais para a dissociação. Pelo calendário político britânico, o Partido Conservador deve decidir o nome de seu novo líder em setembro, substituindo Cameron no comando do governo. No mesmo dia, deve ser decidido se serão convocadas eleições legislativas ou não.

A reunião histórica de hoje foi marcada pela visita da primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que esteve em Bruxelas em busca de apoio para que os escoceses não deixem a UE, mesmo após o Brexit. A premiê reforçou ainda que o Partido Nacional Escocês (SNP), que lidera o Parlamento local, tem a intenção de convocar um novo plebiscito sobre a independência em relação a Londres. 

Ainda na reunião, os 27 líderes europeus debateram a reforma das instituições do bloco, que vem sendo chamada de “novo impulso”. Essas medidas devem ser discutidas e aprovadas até 2017.