Últimas jogadas de xadrez na Venezuela

Só uma transição negociada entre o governo e a oposição é capaz de evitar a iminente conflagração social

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Atualização:

Às 9h30 de uma quinta-feira, seis venezuelanos aguardam para realizar um tour guiado pelo antigo museu militar que atualmente abriga o mausoléu de Hugo Chávez, o presidente populista que governou o país entre 1999 e 2013. Do outro lado da rua, cerca de 120 pessoas fazem fila num supermercado estatal para comprar alimentos pela tabela oficial de preços. A fila começa a ser formar às 3 da madrugada. “Às vezes a gente consegue comprar alguma coisa, às vezes não”, diz uma pessoa na fila. Nesse bairro de Caracas, que já foi um bastião do chavismo, a mística do ex-presidente vem perdendo brilho em meio à luta diária pela sobrevivência. Ficaram para trás os dias em que Chávez podia fazer uso das abundantes reservas de petróleo do país para impor sua “revolução bolivariana” - uma mistura de subsídios indiscriminados, controles de preços e câmbio, programas sociais, expropriações e corrupção em larga escala. O colapso dos preços do petróleo revelou a gigantesca fraude que jazia por trás da revolução. No mês passado, o governo venezuelano admitiu que nos 12 meses encerrados em setembro, a economia sofreu contração de 7,1% e a inflação chegou a 141,5%. Até mesmo Nicolás Maduro, o malfadado herdeiro e sucessor de Chávez, disse que os números são “catastróficos”. Para o Fundo Monetário Internacional, a situação ainda vai piorar: seus técnicos calculam que a inflação atingirá 720% este ano e a economia encolherá 8%, depois de ter recuado 10% em 2015. O Banco Central venezuelano vem emitindo moeda para cobrir grande parte de um déficit fiscal que corresponde a aproximadamente 20% do PIB. O governo está sem dólares: as reservas internacionais baixaram para apenas US$ 1,5 bilhão, estima José Manuel Puente, economista da escola de administração IESA, de Caracas. Se é verdade que todas as nações produtoras de petróleo estão passando por dificuldades, a Venezuela é uma das únicas que não dispõe de provisões para enfrentar o período de preços baixos. O resultado é um estado de penúria de que só se salvam algumas poucas autoridades privilegiadas e os parasitas que vivem em seu redor. Os salários reais tiveram queda de 35% no ano passado, calcula o consultor Asdrúbal Oliveros. Segundo levantamento realizado por um grupo de universidades, 76% dos venezuelanos vivem atualmente em situação de pobreza, frente a 55% em 1998.  A indústria farmacêutica alerta que os estoques de medicamentos recuaram a 20% de seus níveis normais. Muitos remédios estão em falta; o que vem causando a morte de doentes. Em Caracas, a cada semana que passa, aumentam as filas para a compra de alimentos nos estabelecimentos estatais. A escassez deve se agravar ainda mais em março, aflige-se um executivo do setor de alimentos. A criminalidade está fora de controle. A insatisfação crescente desembocou na vitória da oposição nas eleições de dezembro para a Assembleia Nacional. Sobreveio o impasse. Chávez transformou as instituições do Estado venezuelano - incluindo o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) - em apêndices do Poder Executivo. No fim de novembro, antes de perder o controle do Legislativo, os parlamentares chavistas aprovaram a substituição legalmente duvidosa de 13 magistrados do TSJ, que semanas depois impugnou a candidatura de quatro deputados, retirando da oposição a maioria de dois terços necessária à aprovação de emendas constitucionais. Maduro não dá sinais de estar disposto a mudar o rumo de seu governo. No mês passado, ele baixou um decreto de “emergência econômica”, revogado uma semana depois pelos novos deputados, que basicamente aumentava seu controle sobre a economia. O governo parece paralisado, vítima da indecisão e de conflitos internos. O presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, deu um prazo de seis meses a Maduro para que ele acabe com a crise econômica. Do contrário, o líder oposicionista ameaça destituir o presidente constitucionalmente. Em tese, os meios disponíveis para isso incluem a realização de um referendo revogatório, a aprovação de uma emenda abreviando os seis anos do mandato presidencial ou a convocação de uma Assembleia Constituinte. Na prática, o TSJ e o Conselho Nacional Eleitoral, ambos controlados pelos chavistas, podem obstruir ou retardar indefinidamente essas iniciativas. Por isso, diz Ramos Allup, a primeira coisa que a Assembleia Nacional precisa fazer é promover a substituição dos 13 magistrados recém-nomeados - uma medida que o próprio TSJ se encarregará de vetar. O custo do impasse é alto. Brigas nas filas para a compra de alimentos e ondas localizadas de saques são ocorrências diárias. “Estamos a um passo de uma situação que o governo não vai ter como controlar. É uma linha muito tênue”, diz o moderado Henrique Capriles, oposicionista que em 2013 perdeu a eleição presidencial para Maduro por pequena margem de votos. A maioria dos oposicionistas e alguns chavistas acreditam que uma transição negociada é a única maneira de evitar que a situação descambe num conflito sangrento. Não é preciso pensar muito para delinear os contornos gerais de um acordo desse tipo: o regime teria de conceder anistia aos presos políticos e concordar em restaurar a independência do Judiciário, da autoridade eleitoral e de outros poderes. Em troca, a oposição precisaria dar seu apoio a medidas fundamentais, ainda que certamente impopulares, para estabilizar a economia. Ramos Allup diz que há “algumas conversas” em curso, mas não um diálogo formal. Nas ruas, o tempo está se esgotando. Muitos na oposição dizem que o preço de um acordo é a renúncia de Maduro, seguida de uma eleição ou de sua substituição por Aristóbulo Istúriz, um chavista moderado que assumiu recentemente o cargo de vice-presidente do país. Mas Maduro concordaria com isso? O presidente parece paralisado pela ideia de que sua renúncia seria uma traição ao legado de Chávez. Mas o fato é que o que resta do chavismo estaria melhor sem ele. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER 

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ANNA CAPOVILLA, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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