Um ano importante na relação UE-Celac

De Lima a Paris e de San José a Bruxelas: 2015 será fundamental para que uma agenda global seja moldada

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Por Federica Mogherini
Atualização:

Os povos da América Latina, do Caribe e da Europa têm uma longa história de aspirações comuns. Nós fomos unidos muitas vezes pelo destino e atravessamos períodos difíceis e até mesmo dramáticos. Mas, atualmente, nós compartilhamos um desejo de paz e prosperidade que as nossas raízes culturais e históricas nos ajudaram a fortalecer, de geração em geração. É por isso que eu estou particularmente feliz - e honrada pelo convite - de participar da celebração da terceira cúpula da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), que se realizará em San José nesta semana. Nesse evento especial, levarei a mensagem de amizade, apoio e cooperação da União Europeia (UE).

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A Cúpula em San José será uma oportunidade para que eu ouça, em primeira mão, as expectativas e ambições que esta grande região tem para si mesma, para seus cidadãos e para todos nós, uma vez que os países da Celac reafirmam seu papel no mundo em questões que importam a todos: mudança climática, energia, direitos humanos, segurança, comércio e cultura.

Esta reunião representa o fim de uma ativa e bem-sucedida presidência pro tempore da Celac exercida pela Costa Rica e a passagem da liderança regional para o Equador, que terá um ano cheio pela frente. 2015 será marcado por outro evento importante: em Junho, nós teremos o prazer de receber em Bruxelas os seus líderes na II Cúpula UE-Celac.

Em San José, terei a oportunidade de confirmar à América Latina e ao Caribe, ainda nos primeiros meses do meu mandato, o novo ímpeto que a UE quer dar à nossa relação: um novo olhar político, consciente de que reforçar a nossa relação é uma prioridade estratégica. Em um mundo tão fragmentado, onde desenvolvimento e democracia são conceitos tão ameaçados, somos desafiados, como europeus, latino-americanos e caribenhos, a encontrar novas perspectivas para um espaço seguro de paz e diálogo. Apenas uma visão política comum sobre os princípios que devem ser defendidos pode nos preparar para enfrentar estes desafios. 

É por isso que a Europa acompanha atentamente o atual debate sobre o aprofundamento da integração regional na América Latina e no Caribe. E é por isso que nós temos que aprofundar a nossa integração. A mudança histórica nas relações entre os EUA e Cuba é definitivamente uma boa notícia - tenho tantas expectativas sobre os resultados da próxima Cúpula em Bruxelas. Estarei em San José para trabalhar com os seus líderes, para ver como essa parceria pode ter mais valor para todos nós.

A UE e a Celac representam 61 Estados, quase um terço dos membros das Nações Unidas. Entretanto, somos muito mais que a soma das nossas partes. Naturalmente, nós temos diferentes abordagens e pontos de vista, mas há muito mais temas que nos unem do que assuntos que nos dividem. Esta parceria entre as nossas duas regiões é extremamente necessária em um mundo cada vez mais complexo, onde princípios fundamentais da ordem internacional estão em jogo. Juntos, podemos influenciar decisões sobre questões relevantes para todos nós.

Em relação à mudança climática, os países da Celac são parceiros comprometidos em levar a agenda adiante e eu parabenizo a excelente gestão peruana da Conferência das Partes (COP) em dezembro. Agora, precisamos utilizar como base os resultados de Lima, e trabalhar duro para alcançar um acordo global juridicamente vinculativo na conferência de Paris em dezembro deste ano.

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Outra questão global na qual a UE e os países da Celac podem unir forças é a luta contra a pobreza. Muito já foi alcançado na última década na América Latina e no Caribe: a pobreza foi reduzida quase pela metade. Isso foi possível graças ao crescimento econômico e a programas sociais focalizados. Como UE, a maior parte da nossa cooperação financeira em todo o mundo está focada no combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento sustentável. A UE continua sendo o maior doador multilateral na região, com mais de € 5 bilhões destinados a ajudar as pessoas mais vulneráveis no continente. 

Cinco anos após o catastrófico terremoto, o nosso compromisso em ajudar o Haiti permanece total, com mais de € 1 bilhão destinados, entre outros objetivos, à construção de casas, à recuperação econômica e à governança. É imprescindível que a UE e os países da Celac continuem trabalhando juntos em projetos concretos a nível local e em metas ambiciosas a nível internacional. Vamos coordenar nossas mensagens e unir nossas vozes na discussão sobre o desenvolvimento sustentável em escala global (a chamada Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da ONU), para que o apelo de nossos cidadãos por um mundo melhor possa ser ouvido.

Entretanto, não há desenvolvimento verdadeiro sem segurança, em todos os seus aspectos. A UE e os países da Celac têm a oportunidade e a responsabilidade de, juntos, fazer mais na luta contra o crime organizado e o tráfico de drogas, no combate ao terrorismo e na restauração da paz em situações pós-conflito nas Américas e além. O Chile e a Colômbia assinaram acordos para participar de missões da UE de gestão de crises, como, por exemplo, na luta contra a pirataria na costa da Somália. Em vários países da Celac, a paz foi restabelecida após longos e trágicos anos de conflito. Na Colômbia, negociações promissoras estão em andamento e a UE está disposta a continuar apoiando o processo de paz. Tive a oportunidade de trocar pontos de vista sobre este assunto com o presidente Juan Manuel Santos em sua recente visita a Bruxelas.

A segurança é um desafio comum que deve ser abordado conjuntamente, não apenas através dos órgãos de segurança pública, mas também investindo no crescimento, no desenvolvimento social e econômico, na criação de novos postos de trabalho, e na defesa da dignidade humana. 

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Aqui, novamente, profundos laços econômicos unem nossos cidadãos através do Atlântico. A UE é o segundo maior parceiro comercial e o principal investidor estrangeiro da região da Celac com um impressionante estoque atual de investimentos de € 464 bilhões, cifra que ultrapassa os investimentos da UE na China, na Índia e na Rússia somados. Eu acho que também é justo definir os investimentos da UE como investimentos de qualidade, socialmente responsáveis, que trazem valor agregado em termos de criação de emprego, transferência de tecnologia, pesquisa e inovação. 

Desenvolvimento sustentável e responsabilidade social corporativa são prioridades nos nossos acordos comerciais e esperamos expandi-los ainda mais na região. Mas comércio e economia são uma via de mão dupla. Investimentos latino-americanos e caribenhos nos países da UE estão aumentando a cada ano e o Brasil é hoje o segundo maior investidor na UE após os EUA, contribuindo para a criação de nossos próprios postos de trabalho e para o nosso crescimento.

Os últimos anos na América Latina e no Caribe foram definidos como a "década de ouro", mas como é possível consolidar os resultados positivos alcançados? Como podemos garantir, tanto nos países da Celac como na Europa, que o crescimento continue sustentável, beneficiando a todos os segmentos da população e permitindo o progresso ao mesmo tempo em que respeitamos o meio ambiente? Como podemos alocar recursos e moldar o futuro de nossas crianças, com base em orientações determinadas por escolhas democráticas? 

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Concordamos com muitos líderes da Celac, como a Presidente do Chile, Michelle Bachelet, que a resposta está na educação, na inovação e no desenvolvimento de negócios com um alto valor agregado. Nós também podemos trabalhar juntos nisto? Horizonte 2020 é o novo programa de investigação e inovação tecnológica da UE. Com um orçamento de € 80 bilhões e uma duração prevista de mais de sete anos, é o maior programa de pesquisa do mundo totalmente aberto a investigadores de todo o planeta. Esta é uma área com potencial de crescimento único para ambas as nossas regiões! 

Com tantas oportunidades promissoras, com tantas maneiras de transformar os nossos desafios em histórias de sucesso conjuntas, olhemos para as próximas Cúpulas com esperança, sabendo que a parceria UE-Celac pode realmente fazer a diferença em ambas as margens do Oceano Atlântico.

* É ALTA REPRESENTANTE PARA A POLÍTICA EXTERNA E VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

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