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Um antissemitismo de esquerda

Ideário que despreza razões históricas para a existência de Israel dissemina-se em universidades britânicas e dos EUA

Por Roger Cohen
Atualização:

No mês passado, um copresidente do Labour Club da Universidade Oxford, Alex Chalmers, demitiu-se em protesto pelo que descreveu como “crescente antissemitismo entre os membros”. Uma “grande proporção” do clube “e a esquerda estudantil de Oxford, de forma geral, têm algum tipo de problema com os judeus”, disse ele num comunicado.

Chalmers referiu-se a membros do comitê executivo do clube que usam o termo “zio” – insulto comum na Ku Klux Klan. Referiu-se a expressões como “solidariedade com o Hamas” e à defesa explícita de suas “táticas de assassinar civis indiscriminadamente”. E aos que consideram qualquer preocupação com antissemitismo como “apenas sionistas berrando por nada”.

  Foto: DIV

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O espírito nas universidades nos dias de hoje, em ambos os lados do Atlântico, é de identidade e liberação política. Judeus, é claro, são uma minoria, mas por meio de um prisma cultural em voga são vistos como a minoria que não o é – minoria branca, privilegiada e identificada com um Estado “imperialista colonialista”, Israel. São as antivítimas numa cultura de vitimização. Os judeus são, ao que parece, a única vítima histórica cujas queixas são dúbias.

Uma ex-aluna que deixou há pouco Oberlin, Isabel Storch Sherrell, postou no Facebook que ouviu estudantes minimizando o Holocausto como simples “crime de branco contra branco”.

Noa Lessof-Gendler, estudante na Universidade Cambridge, queixou-se no mês passado no Varsity, um jornal do câmpus, que sente antissemitismo “na palavra ‘zio’ flutuando em grupos de esquerda”. Escreveu ela: “Sou judia, mas isso não significa que tenha sangue palestino nas mãos ou que deva ficar nervosa com as conversas ouvidas quando ocorre a visita de um palestrante israelense”.

A ascensão do esquerdista Jeremy Corbin à liderança do Partido Trabalhista, na oposição na Grã-Bretanha, parece ter dado poder a uma esquerda para a qual o apoio aos palestinos não está sujeito a críticas, e para a qual, nas palavras de Alan Johnson, teórico de política britânico, “o que o demoníaco judeu um dia foi, o demoníaco Israel é hoje”.

Corbyn não é antissemita. Mas chama o Hamas e o Hezbollah de “agentes da paz de longo prazo, da justiça social e da justiça política em toda a região”. O britânico, certa vez, convidou ao Parlamento um islamista palestino, Raed Sallah, que sugeriu que não havia judeus no World Trade Center no 11 de Setembro. Corbyn chamou-o de “cidadão honrado”.

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Os “corbynistas” nas universidades britânicas vangloriam-se de sua luta “contra a colonização racista da Palestina”, como disse um estudante de Oxford, James Elliot. Ele perdeu por pouco numa tentativa de se tornar o representante jovem no comitê executivo do Partido Trabalhista.

Ignorância. O que choca na síndrome antissionista que resvala para o antissemitismo é sua natureza anti-histórica. Ela nega a longa presença judaica na Terra Santa e seus laços com a região. Menospreza a relação fundamental entre o antissemitismo europeu assassino e a decisão dos judeus sobreviventes de abraçar o sionismo na convicção de que só uma pátria judaica poderia mantê-los salvos.

Ela não vê importância na base legal do moderno Estado de Israel na Resolução 181 das Nações Unidas de 1947 – que não era “colonialismo”, mas a vontade do mundo pós-Holocausto. Exércitos árabes foram contra essa vontade e perderam.

Como Simon Schama, o historiador, afirmou no mês passado no Financial Times, Israel de 1948 surgiu como resultado da “desumanização dos judeus durante séculos”.

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O Estado de Israel era necessário. A História o demonstrou. Por isso, sou sionista – atualmente, um palavrão na Europa. Hoje, são os palestinos na Cisjordânia os desumanizados, pela dominação israelense, expansão dos assentamentos e violência. A Cisjordânia é o túmulo de Israel como Estado judeu e democrático. Os palestinos, por sua vez, incitam e recorrem à violência contra os judeus, incluindo ataques aleatórios à faca. A opressão aos palestinos deveria incomodar a consciência de cada judeu. Mas nada justifica o ódio contido no “antissionismo antissemita” (expressão de Johnson) que levou Chalmers a demitir-se e se infiltra nas universidades britânicas e americanas.

Falei com Aaron Simons, estudante de Oxford que presidiu a associação judaica da universidade. “Existe um estranho ruído mental”, disse ele, “no tom e na atitude com que falam com você como judeu nesses círculos políticos de esquerda cheios de hostilidade. Essas pessoas são muito exigentes quanto ao que constitui antissemitismo”.

Johnson, escrevendo no Fathom Journal, enumerou três componentes do antissionismo antissemita de esquerda. Primeiro, “a abolição da pátria judaica. Não se quer a Palestina ao lado de Israel, mas a Palestina no lugar de Israel”. Segundo, “um demonizante discurso intelectual” que sustenta que “sionismo é racismo” e objetiva “a sistemática nazificação de Israel”. Terceiro, um movimento social global para “excluir um Estado – e apenas um Estado – da vida econômica, cultural e educacional da humanidade”.

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Criticar Israel é uma coisa, necessária a ser feita com rigor. Demonizar Israel é outra, uma punição familiar repaginada pela mesma política – de identidade e liberação – que deveria englobar a milenar luta judaica contra a perseguição. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ