Um longo jogo em Havana

Entusiasmo por retomada de relações é compreensível, mas normalização não será rápida

PUBLICIDADE

Atualização:

O contraste foi marcante. Em 28 de fevereiro, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou a expulsão de facto de vários diplomatas americanos. Era uma jogada transparente de um líder extremamente impopular para fomentar um choque com os Estados Unidos e, com isso, justificar sua repressão à oposição e o possível cancelamento de uma eleição legislativa iminente que, sem isso, ele perderia. Um dia antes, porém, diplomatas de Cuba, o aliado mais próximo da Venezuela, sentaram-se em Washington numa atmosfera que classificaram como "respeitosa" para uma segunda rodada de conversações com os americanos sobre a restauração de relações diplomáticas após um hiato de 54 anos. Depois das conversações, Barack Obama, declarou sua esperança de que os EUA estabeleceriam as bases para a reabertura de sua embaixada em Havana antes da Cúpula das Americas, no Panamá, em abril, à qual tanto ele quanto o presidente cubano Raúl Castro comparecerão. Cuba confirmou que está preparada para reatar os laços diplomáticos tão logo o governo americano recomende a retirada da ilha da lista de Estados patrocinadores do terrorismo do Departamento de Estado. Isto provavelmente ocorrerá "muito em breve", segundo um funcionário do Departamento de Estado. Depois da histórica manobra de Obama, anunciada em 17 de dezembro, de começar a desmontar o embargo contra Cuba, empresas americanas estão fazendo fila para oferecer voos e tours na ilha. Há conversas febris sobre a importação de charutos e a exportação de aves e materiais de construção. Na semana passada, Obama disse que "já estamos vendo" mudanças em Cuba. O entusiasmo é compreensível depois do congelamento de meio século entre os dois países, mas pode ser prematuro. Mesmo que as embaixadas sejam reabertas nas próximas cinco semanas - o que parece altamente improvável - isso não levará a uma rápida normalização das relações. Menos ainda promoverá uma adoção imediata de capitalismo, democracia e do modo de vida americano pelo governo comunista de Raúl Castro. O líder cubano retratou a novidade diplomática, que se seguiu a 18 meses de conversações secretas, como uma vitória - uma justificativa para a resistência de Cuba aos esforços americanos para derrubar seu regime. Raúl Castro disse numa cúpula latino-americana, em janeiro, que a plena normalização de relações com os EUA dependeria do levantamento formal do embargo, da compensação pelos custos impostos a Cuba e da restituição da base naval de Guantánamo. Os dois últimos itens são politicamente impossíveis, como ele certamente sabe. Por que ele está sendo tão espinhoso? Desde que assumiu a presidência, em 2008, Raúl desmantelou discretamente muitas das políticas de seu irmão mais velho, Fidel. Hoje, um quinto da força de trabalho de Cuba trabalha num florescente setor privado formado por pequenas empresas, fazendas e cooperativas. Apesar de o regime comunista continuar sendo inflexivelmente imposto, os cubanos hoje desfrutam de mais liberdades no dia a dia. Mas as mudanças enfrentam uma oposição obstinada de dentro do Partido Comunista e da burocracia estatal. Como disse um acadêmico cubano em Havana, o líder da oposição é Fidel. Raúl não pode ignorar as opiniões de seu irmão, apesar de Fidel estar idoso e fragilizado. E Fidel não é um adepto da reaproximação com os EUA. "O presidente de Cuba tomou medidas apropriadas de acordo com suas prerrogativas e poderes", Fidel escreveu secamente numa carta divulgada em 26 de janeiro. Mas "não confio na política dos Estados Unidos, nem troquei palavras com eles", completou. Raúl negociou com Obama apesar disso. Uma razão é que suas reformas econômicas não podem dar certo sem laços mais estreitos com os EUA. Apesar das reformas empreendidas até agora, e apesar da ajuda venezuelana (cujo futuro depende da sobrevivência de Nicolás Maduro), a economia de baixos salários de Cuba cresceu uma média de apenas 1,9% por ano desde 2009. Após muito atraso, o governo pretende dar dois grandes passos nos próximos dois anos. Empresas estatais se tornarão autônomas, o que implica a liberdade não só para competir, mas também para fracassar, com a perda de empregos. Uma transformação mais espinhosa é unificar as duas moedas de Cuba - empresas estatais usam um "peso conversível" com paridade com o dólar enquanto os salários são pagos em pesos cubanos, que valem meros quatro centavos de dólar. Unificar a moeda sem provocar uma escalada da inflação requererá o respaldo de mais receitas em moedas estrangeiras. A melhor esperança delas vem do turismo e das remessas americanas - e dos empréstimos estrangeiros que o fim da hostilidade americana poderá trazer. Raúl Castro insiste em que deixará o cargo em 2018. Ele claramente deseja legar uma Cuba viável a seu sucessor. Será uma Cuba em que os mercados jogarão um papel crescente. Para chegar lá, ele está palmilhando um caminho cheio de obstáculos entre o passado e o futuro. O progresso será hesitante. Mas diferentemente de Maduro, ele sabe que a Guerra Fria acabou e que seu país precisa evoluir. © 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR CELSO PACIORNIK, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.