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Uma cizânia no Golfo

O acordo nuclear iraniano pode alterar o equilíbrio de poder no Oriente Médio e aguçar as tensões entre sunitas e xiitas

Atualização:

Nas casas e nos cafés de todo o Golfo Pérsico, as reações ao esboço de acordo nuclear anunciado na semana passada tinham pouco a ver com centrífugas. Mais importante era o efeito que a mudança nas relações do Irã com o restante do mundo pode vir a ter para o equilíbrio de poder no Oriente Médio. O que está em questão, dizem muitos, é a capacidade de interferência dos iranianos na região. Teerã já apoia aliados armados na Síria, no Líbano, no Iraque, no Iêmen e (segundo alguns relatos) no Bahrein. É considerável o risco de que um Irã livre da pecha de Estado pária se torne mais agressivo. "A ideia de que há uma crescente xiita na região ficou obsoleta", diz o analista Hassan Hassan, de Abu Dabi. "Atualmente é lua cheia; e o Golfo está cercado."Nos últimos anos, a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita vem sendo banhada num mar de sangue sectário. O Irã "acha que os xiitas têm de conquistar o Golfo", diz uma liderança sunita da Cidade do Kuwait, sintetizando uma percepção que é generalizada. Por sua vez, os xiitas kuwaitianos alegam ser vistos com desconfiança só por pertencerem ao mesmo ramo do Islã que o regime iraniano. Em conversas reservadas, autoridades de diversos governos da região dizem acompanhar com apreensão o aumento das tensões nas relações comunitárias. No Kuwait, cuja população tem entre 30% e 40% de xiitas, segundo estimativas, o Twitter é o campo de batalha preferido para os embates sectários. "Temos um bom padrão de vida aqui", diz um kuwaitiano. "Mas em países mais pobres, essas questões sectárias são um problema sério."A novidade não é a rivalidade regional entre a Arábia Saudita e o Irã, mas sim a influência crescente dos iranianos. Excluída do mercado internacional de energia pelas sanções da ONU, a economia do Irã passou a maior parte da última década se arrastando, enquanto a alta do preço do petróleo proporcionava fartura em terras sauditas. Mas, em meio ao caos desencadeado pela Primavera Árabe, ambas as potências tentaram ampliar sua influência - e não seria exagero dizer que os iranianos foram mais bem-sucedidos nisso. Por improvável que pareça, uma aproximação efetiva entre os Estados Unidos e o Irã poderia modificar totalmente o equilíbrio de poder na região. Um acordo nuclear "é a pior coisa que poderia acontecer", diz o salafista e ex-parlamentar kuwaitiano Khaled Sultan. "Tínhamos esperanças de que as mudanças na Síria - a vitória da oposição - deteriam o Irã e reduziriam sua influência regional. Mas (deixamos de acreditar nisso) quando vemos o governo americano trocando figurinhas com o Irã."O governo do Kuwait, assim como o de todos os demais integrantes do Conselho de Cooperação do Golfo, declarou que um bom acordo será bem-vindo. "Não se deve esquecer que a Cidade do Kuwait é o centro urbano mais próximo da usina nuclear de Bushehr, de modo que é de nosso interesse que todas as instalações nucleares estejam em conformidade com as normas internacionais de segurança", disse o xeque Mohammed Abdullah al-Sabah, chefe de gabinete do governo kuwaitiano. "Temos confiança de que o equacionamento dessa questão contribuirá para a segurança da região."Mas o Kuwait também integra a coalizão militar de países de maioria sunita organizada pela Arábia Saudita para conter a ofensiva houthi no Iêmen. É crença generalizada no Golfo que os houthis são apoiados por Teerã. A reação militar dos sauditas não tem por objetivo apenas socorrer o sitiado governo iemenita. A ideia é que sirva também de advertência aos iranianos: qualquer que seja o acordo que Teerã venha a firmar com as potências mundiais, o Oriente Médio não pertence ao Irã. O acordo preliminar anunciado na semana passada parece ter sido um passo promissor na direção de um relacionamento mais harmonioso entre o Irã e o Ocidente. Mas há o risco de que o alívio de algumas tensões seja acompanhado do recrudescimento de outras.© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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