Uma saída inteligente

Indicação de investigador independente é a melhor maneira de eliminar as dúvidas sobre as relações de Trump com russos

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Uma expressão sucinta, mas poderosa - “no interesse da sociedade americana” - está no cerne da nota divulgada na quarta-feira pelo Departamento de Justiça dos EUA, anunciando que Robert Mueller, ex-diretor do FBI, será o responsável por investigar a ação da Rússia na eleição de novembro e determinar se a campanha de Donald Trump foi cúmplice de Moscou.

Mueller foi indicado pelo subsecretário de Justiça, Rod Rosenstein, que justificou a escolha dizendo que sua intenção é deixar os americanos “totalmente seguros” de que, acima das filiações partidárias, o que vale é o estado de direito. O fato de Rosenstein, um procurador de carreira, ter achado necessário explicitar isso diz muito sobre o difícil momento dos EUA. 

Em imagem de setembro de 2013, Robert Muller (E) passa o cargo de diretor do FBI para seu sucessor James Comey, demitido por Trump este mês Foto: AP Photo/Susan Walsh

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De qualquer forma, depois de uma semana de comportamento suspeito por parte de Trump e seus auxiliares, de embromação vergonhosa por parte dos republicanos no Congresso e, por vezes, de histeria prematura dos democratas, nenhuma investigação conduzida por políticos ou indivíduos com vínculos partidários pareceria confiável.

Como estes são os EUA de 2017, especialistas e políticos não perderam tempo em analisar as consequências da nomeação de Mueller para as diferentes facções que se digladiam na esfera pública americana. Para Trump e sua equipe, que agora terão de se preparar para enfrentar meses de perguntas sobre as coisas que sabiam e o momento em que tomaram conhecimento delas, os efeitos são desastrosos. 

No curto prazo, reduz a pressão sobre líderes republicanos, que deixam de ser os principais responsáveis pela investigação. Os fãs de Trump, incitados pela mídia conservadora, vociferam que os agentes do “Estado dentro do Estado” estão armando um golpe contra o presidente. Os democratas não cabem em si de alegria.

Mas o verdadeiro impacto da decisão de Rosenstein tem a ver com seu apelo à sociedade, com o interesse que os americanos têm em responder a dúvidas sobre uma eleição marcada pelo antagonismo. A nomeação de Mueller reafirma a noção de uma Justiça imparcial.

É também o resultado de uma sucessão de ilicitudes. A nomeação coube a Rosenstein porque seu chefe, Jeff Sessions, secretário de Justiça e aliado de Trump, foi obrigado a se declarar impedido de participar das investigações após ter omitido, em sabatina no Senado, os contatos que teve com autoridades russas na campanha. O assessor de Segurança Nacional de Trump, Mike Flynn, pediu demissão depois de mentir ao vice-presidente sobre seus contatos com os russos. 

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Os americanos têm dúvidas de que a Rússia seja cobrada pela interferência na eleição, uma vez que Trump demitiu justamente a pessoa que estava encarregada de conduzir o inquérito, o diretor do FBI, James Comey. A credibilidade de Rosenstein foi posta em jogo, pois auxiliares da Casa Branca espalharam a versão de que a demissão tinha sido ideia sua (até que Trump assumiu a responsabilidade). 

A gota d’água foi a revelação feita pelo New York Times, na terça-feira, de que Comey guarda anotações de uma conversa com Trump ocorrida em fevereiro, durante a qual o presidente teria sugerido a ele que encerrasse as investigações - o que beira a obstrução de Justiça.

Um emporcalhado fio condutor atravessa tudo isso: sempre que Trump e seus auxiliares são acusados de atos ilícitos, seu impulso é tergiversar, acusar a mídia de fabricar notícias ou buscar um bode expiatório. Ao nomear alguém com a reputação de Mueller, que não pertence à cadeia de comando político, Rosenstein provou que se norteia por parâmetros mais elevados.

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Mueller já se mostrou capaz de lidar com situações difíceis: assumiu o comando do FBI no governo de George W. Bush, uma semana antes dos ataques de setembro de 2001, e conquistou o respeito de republicanos e democratas. É de se esperar que consiga manter a confiança dos americanos comuns, mesmo em meio a um clima de hostilidade. Ele foi contratado para representar os interesses de toda a sociedade, não de uma de suas facções. É um começo. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

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