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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Vá para Cuba?!

Confesso que, toda vez que me mandaram ir para Cuba, considerei o convite. Iria sem titubear. Com o status de estrangeiro

Atualização:

“Vá para Cuba!” virou um destrato de saudosistas da Guerra Fria, que ainda acreditam na divisão do mundo em dois blocos – haters da polarização que identificam brasileiros de esquerda ou simpatizantes como “comunistas”. Quem era contra o impeachment de Dilma era a favor do regime de Cuba. Quem defende um Estado de Direito sem abuso do Judiciário é comunista. Confesso que, toda vez que me mandaram ir para Cuba, considerei o convite. Iria sem titubear. Com o status de estrangeiro.

No passado, Cuba era uma ilhota do Caribe e buscou ser o porto estratégico do Golfo do México. Até a Guerra Hispano-Americana, pilantragem armada pelos americanos, a transformar num puxadinho do seu quintal, que se estendeu até a Terra do Fogo e o Pacífico.

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Havana virou a Las Vegas tropical: desses locais em que a rígida educação vitoriana faz vistas grossas, como num pacto hedonista, para que um pouco de pecado numa terra de ninguém aliviasse as tensões de uma sociedade moralista. A capital virou bordel, cassino, paraíso da boemia, cercada por bananais e canaviais, num país comandado por fantoches sustentados pela máfia, FBI, Pentágono e Wall Street. 

Depois de Fidel, passou a sediar a melhor faculdade de cinema da América Latina (EICTV), o melhor festival de teatro, o melhor festival de cinema e a oferecer o mais importante prêmio literário (Prêmio Casa das Américas). Sua população ficou letrada, ávida por cultura e saudável. Escolas e universidades para todos. Hospitais de graça, com uma medicina preventiva de ponta que fez a fama. Sem contar que o país se transformou em uma potência olímpica.

O narcotráfico não aportou na ilha. Não havia violência urbana, porque acumular não fazia parte do repertório. A vida cultural de Havana se manteve vibrante. O Carnaval de Santiago de Cuba lembrava o brasileiro de décadas atrás. 

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Era um socialismo sem o rigor da revolução industrial e as ruínas de grandes guerras. Um socialismo com mojito, salsa, boemia, praia, sensualidade, calor, alta cultura, sob a bênção dos atabaques do candomblé (santería). 

O cubano é o latino-americano mais parecido com o brasileiro. A livre miscigenação, o culto pela alegria, o humor, a sensualidade e a negritude parecem saídas do mesmo caldeirão da História, como o rum é irmão da cachaça. É, então, o paraíso?

O bloqueio comercial, aberração geopolítica para que o socialismo não desse certo, e o estado de alerta máximo contra o inimigo a 80 milhas – que conspirava e apoiava ditaduras e regimes fascistas em toda sua área de influência, quando não invadia diretamente as republiquetas vizinhas –, mais a paranoia de uma revolução permanente, de um partido único, que deu em presos políticos, fuzilamentos, exílios forçados, retirou a liberdade de expressão, de ir e vir e a alternância no poder, “frescuras democráticas” que apreciamos. 

Quando fui a Cuba, em 1987, convidado pelo Festival Internacional de Teatro, dei duas entrevistas. A ilha tinha apenas dois jornais influentes, Granma, jornal oficial do Partido Comunista, e Juventud Rebelde, jornal da juventude do Partido Comunista.

Andei sem problemas. Com amigos gays, curiosos diante de um regime que, dizia-se, os perseguia, encontramos o point numa praça onde eles, uma reconhecível juventude homossexual, se paqueravam. 

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Comi muito bem nos hotéis com estrangeiros. Tentei comer uma pizza numa birosca popular, não consegui, em razão da fila enorme. Tomei o sorvete na Coppelia, depois de uma hora e meia na fila, em frente ao Hotel Havana Libre, ex-Hilton, na Calle L com Calle 22 (Havana, como Nova York, tem ruas com números e letras), inaugurado um ano antes da revolução pelo próprio Conrad Hilton e expropriado pelos revolucionários. 

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Eu poderia furar a fila por ser estrangeiro, como me aconselharam em 1989 em Moscou. Me recusei. E me dizia: se todos os brasileiros tivessem a oportunidade de tomar um sorvete da Brunella, no coração do Jardim Europa, na época, o melhor de São Paulo, a fila também seria enorme.

Minha peça abriu o Festival de Teatro de La Habana no luxuoso Teatro Karl Marx para 8 mil pessoas. Lotado. Encontrei pelas ruas artistas, escritores e intelectuais. Encontrei até Gabriel García Márquez passeando num parque, a quem tietei tirando fotos. Mas os amigos que fiz em Cuba, eu não os reencontraria. A eles, não era permitida a viagem ao Brasil. Viviam enclausurados numa falsa atmosfera de utopia revolucionária. 

Eu moraria com prazer em Cuba. Com o status de um escritor estrangeiro, como Hemingway (na primeira fase da Revolução). Já como cidadão...

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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