Venda legal de carros em Cuba é para poucos

Preço de veículos novos em concessionária é alto até para os ricos da ilha; um Peugeot 206 custa na ilha o equivalente a R$ 203 mil

PUBLICIDADE

Foto do author Fernanda Simas
Por Fernanda Simas
Atualização:

Desde janeiro, vigora em Cuba a venda de veículos em concessionárias - em janeiro foi liberada a importação, após 50 anos de proibição. Até agora, a cena que muitos imaginam ver nas ruas - carros novos substituindo os antigos Cadillacs - não se concretizou. Pelo contrário, apenas 50 foram comercializados.

PUBLICIDADE

Pela tabela de preços oficiais divulgada pelas agências, os valores variam entre 20 mil CUC (peso cubano conversível) até mais de 200 mil CUC. Pela conversão, 1 CUC equivale a US$ 1. Um Peugeot 206, ano 2013 custa na ilha o equivalente a R$ 203 mil. No Brasil, o 207 modelo 2014 custa R$ 36 mil. O Peugeot 508, ano 2013, custa R$ 586 mil para os cubanos. No Brasil, é vendido por cerca de R$ 120 mil. "O problema está no preço, um pouco alto. Nossa esperança é que ele se estabilize. Temos duas moedas e estamos em um processo de estabilização. Tendo uma moeda só, o preço estabiliza um pouco, então o cubano terá mais facilidade para comprar", disse ao

Estado

o taxista cubano Fausto.

O economista cubano Pavel Vidal, professor na Pontifícia Universidad Javeriana Cali, na Colômbia, explica que a reforma permitindo a venda de veículos em concessionárias no país faz parte de uma "liberalização parcial do consumo" iniciada em 2008 com o setor de telefonia celular. Em outubro de 2011, foi liberada a compra e venda de veículos entre cubanos, que teve êxito relativo em razão da burocracia - é preciso pagar uma taxa às vezes maior do que o preço do carro. "A liberalização é parcial porque, apesar de os cubanos poderem comprar, agora legalmente, bens e serviços que antes só se conseguia no mercado paralelo, a venda é controlada por empresas estatais e entre elas não há concorrência", diz Vidal.

Medida ainda não permitiu troca de frota cubana Foto: Desmond Boylan/Reuters

Quem comprou os 50 carros vendidos nas concessionárias desde janeiro tem uma vida muito diferente da maioria da população. "Quem pode comprar esses carros? Poucos cubanos. Talvez um artista ou um músico que ganhe um alto valor em royalties no exterior, um empresário muito bem sucedido ou alguém que tenha vendido uma casa por uma enorme quantia", diz o presidente do Centro de Estudos sobre Cuba de Virgínia, Philip Peters.

O salário médio em Cuba varia de US$ 20 a US$ 40 mensais. Por essa razão, a maioria pode apenas olhar os carros pelas vitrines das 11 agencias estatais. "Não conheço quem comprou os 50 carros novos a esses altíssimos preços, mas obviamente não são os cubanos que vivem do salário estatal. São 50 casos excepcionais dentro de 11 milhões de habitantes", disse Vidal.

Publicidade

Lucro estatal.

A justificativa para os preços altos, segundo os especialistas, engloba o lucro das concessionárias e o fato de o governo controlar as importações. "Não é só o preço dos automóveis que é alto. As empresas estatais, em geral, trabalham com uma margem comercial de 200%", explica Vidal. Segundo ele, o cubano que consegue comprar o carro "de segunda mão" já tem uma situação financeira melhor do que a média. Os modelos 0 km, por tanto, seriam para cubanos ainda mais ricos - provavelmente sócios de negócios ligados aos turismo ou parentes de milionários que vivem fora da ilha e recebem "ajuda".

Peters vai mais longe e afirma que o governo cubano não tem interesse real em vender esses carros. "O problema parece ser a falta de reservas cambiais em Cuba. Como existem outras importações mais importantes, parece que a única forma de o governo obter vantagem é gastar US$ 20 mil num carro importado e vendê-lo por US$ 50 mil."

Outro ponto levantado pelo economista é o fato de não existir crédito bancário para a compra de carros. "Nenhum dos oito bancos estatais que existem em Cuba desenvolveram esse tipo de financiamento. Ou seja, as pessoas devem pagar o carro a vista."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.