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Vexame na ONU

Por Mac Margolis
Atualização:

Um passo adiante para Venezuela, um salto no escuro para as Américas. Assim, pode-se dizer, foi o balanço da última reunião do colegiado de nações que, na quinta-feira, deixou de lado os escrúpulos, embaraços e demais minúcias civilizatórias para conceder à Venezuela um assento no Conselho de Segurança da ONU, a mais poderosa mesa da governança global. Por 181 votos de um total de 193, a república bolivariana ganhou uma cadeira rotativa e, junto com os patronos do socialismo do século 21, ingressaram-se as democracias tradicionais, Nova Zelândia e Espanha, e outra emergente, a Malásia. Ficou de fora a Turquia, a complicada nação que vacila entre as urnas e a autocracia, mas com peso inquestionável no tabuleiro estratégico internacional. Já a Venezuela, com a economia puída, um governo sem direção e um pacto social em farrapos, não enfrentou o menor empecilho. Muito menos na América Latina, que nem candidato alternativo ofereceu ao plenário da ONU. Lembrança de Chávez. Por um desses acasos da história, o ingresso da Venezuela deu-se logo após outra instância da ONU, o Conselho de Direitos Humanos, chancelar um relatório condenando o governo do presidente Nicolás Maduro pelos "prisioneiros políticos" detidos durante a repressão contra manifestações de rua no início do ano. Preparado pelo Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, o relatório do Conselho de Direitos Humanos pediu que as autoridades venezuelanas soltassem imediatamente Leopoldo López, o líder oposicionista, encarcerado desde fevereiro. Calejado, quem sabe, pelos tempos no volante de um ônibus, Maduro nem pestanejou. Tachou de atentado à soberania nacional o parecer crítico de uma divisão da ONU, enquanto convocou os companheiros para comemorarem a consagração da outra. Radiante, o mandatário convocou uma cadeia nacional e liderou seu ministério em uma salva de palmas. Há quem tema que a cadeira venezuelana sirva de megafone para arroubos antiamericanos e afins. Se darão ouvidos os demais integrantes da mais alta instância da diplomacia internacional, é outra história. Para o ex-chanceler brasileiro, Luiz Felipe Lampreia, a entrada da Venezuela na alta roda da ONU tem um caráter simbólico, como um "ritual de um clube". Hugo Chávez conhecia bem as regras. Alguns anos atrás, quando subia à tribuna da ONU, o mundo parava para ouvir o líder venezuelano. Afinal, nunca se sabia que exotismo sairia debaixo da boina do "príncipe palhaço" da causa bolivariana, que contou piadas para Hillary Clinton e chamou George W. Bush de capeta, com cheiro de enxofre. Afronta. Morto no ano passado, o Comandante deixou o script com o motorista de ônibus, que não tem o carisma nem o cacife do seu mentor. Muito menos agora, quando o país atravessa uma tóxica polarização política e uma instabilidade econômica sem precedentes. Tamanho é o marasmo das contas bolivarianas que a atual renda per capita venezuelana caiu 2% em relação a 1970, apesar de o preço do barril de petróleo ter aumentado dez vezes, segundo artigo recente dos economistas de Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. No lugar da pujança, a Venezuela se contenta com o prestígio. Mais do que um prêmio, um lugar cativo na primeira mesa decisória das relações internacionais é um atestado de sobrevida diplomática, mesmo que seja temporário. Para Maria Gabriela Chávez, porém, pode ser bem mais. Filha predileta do líder bolivariano, ela foi indicada embaixadora adjunta da missão venezuelana na ONU, embora nunca tenha servido em nenhum cargo público - a não ser o de primeira-dama postiça, função que exercia quando seu pai, divorciado, viajava pelo mundo afora. Para muitos de seus compatriotas, converter em embaixadora a herdeira do chavismo - a Kim Kardashian bolivariana, como preferem os debochados, em referência à socialite americana - seria um afronta a um país que ostenta longa e honrada participação em representações multilaterais. Já a afronta à ONU fica na conta do clube latino-americano.* É colaborador da Bloomberg View e colunista do 'Estado'

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