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'As Golpistas': filme aposta na astúcia das personagens

Longa é estrelado pela atriz Jennifer Lopez e conta história de strippers que decidem agir como gangsteres

Por Melena Ryzik
Atualização:

Jennifer Lopez pediu desculpa pelo cheiro de cigarro. Talvez fosse o seu, ou talvez estivesse impregnado nos sofás e no carpete de pelúcia branco no 29º andar de um arranha-céu em Manhattan. De qualquer maneira, o clima estava criado. Era perto do final das filmagens de Hustlers (As Golpistas), um drama inteligente em que a atriz interpreta o papel de uma mãe solteira e stripper que bola um esquema para roubar de todos os modos possíveis a sua clientela de Wall Street sem dinheiro.

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Pouco depois, ela e sua coadjuvante, a estrela Constance Wu, filmaram uma cena em que as duas preparam uma mistura de ecstasy e quetamina que usarão para dopar suas vítimas. A roteirista e diretora Lorene Scafaria, observava atrás da câmera. Este é apenas o seu terceiro longa, e o mais chamativo. As Golpistas baseia-se na história real de uma equipe de strippers de luxo em Nova York que - depois que seus clientes perderam tudo na recessão de 2008 - bolam maneiras criativas e ilegais de manter negócios florescentes. (E no fim acabam presas.)

Embora o episódio tenha ocorrido dez anos atrás, os seus temas - a dinâmica do gênero, a desigualdade econômica, o sexo, o dinheiro e a solidariedade feminina - são bastante atuais. Por isso, a película foi exibida às pressas nos cinemas, menos de seis meses depois da conclusão das filmagens. 

As Golpistas assinala a estreia na telona de Cardi B, também ex-stripper de Nova York, juntamente com participações de artistas da atualidade, como a cantora Lizzo; da atriz e defensora da comunidade trans Trace Lysette (Transparent); e de Lili Reinhardt (Riverdale). Notamos a ausência de um homem no principal papel masculino: na realidade, não existe. Para Scafaria, foi isto que a atraiu no material no qual se inspirou. “Porque era como todas as boas histórias que você já leu - mas naturalmente com mulheres”, afirmou. “Não foi algo que teve de ser fabricado para uma história exclusivamente sobre mulheres”.

A gangue feminina de As Golpistas proporciona muito mais diversão, principalmente nos anos anteriores à recessão. “O dinheiro não é uma coisa que excita você?” é a frase de abertura de Jennifer Lopez. Aqui está o malicioso superpoder de “As golpistas”: ele apresenta uma stripper sapeca de Hollywood, mas mostrando essa vida do ponto de vista da mulher. 

Observamos Jennifer Lopez envolvendo Wu, que olha para ela adorando o seu casaco de pele, no bar do clube. O filme mostra as relações de mãe protetora de uma maneira que parecia familiar a Jennifer. Mas também com um caráter de transação, uma exibição descarada da inveja da riqueza. É íntimo, mas sem conotações sexuais - concentrado no olhar feminino de Wu.

Jennifer Lopez, esquerda, e Constance Wu em “As golpistas”. A história aconteceu há dez anos, mas os temas são muito atuais. Foto: STXfilms

As Golpistas tem uma rara vantagem, talvez por ser o único longa de grande calibre sobre strippers dirigido por uma mulher. Ainda mais raro por não glamurizar a profissão. E quanto aos crimes que estas mulheres cometem, não procura atenuantes. No entanto, as mulheres más da vida real são ainda tão incomuns na tela, que parecem quase criaturas heroicas, não perigosas. “Indubitavelmente, as pessoas irão achar que se trata de um filme sobre o resgate da mulher dos nossos dias”, disse Wu, “porque se você olha o sumário do filme, na realidade ele trata de mulheres duronas.” 

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A história é contada do ponto de vista do personagem de Wu, que começa a trabalhar em uma boate por necessidade, e acaba percebendo que no universo do striptease há uma verdadeira hierarquia financeira. As dançarinas muitas vezes ocupam o último lugar; enquanto gerentes de boates, seguranças e DJs ficam com uma parte. O esquema de droga e fraude da Ramona de Jennifer Lopez é uma maneira de sobreviver após a recessão, quando a situação que as mulheres alcançaram precariamente, sofre um baque.

Lopez e Wu mergulharam nas respectivas personagens, a ponto de instalar postes em suas casas. E mesmo Jennifer, que foi dançarina a vida toda, o papel a deixou abalada: “Fiquei incrivelmente nervosa”, ela disse. “Eu tinha de estar lá, e praticamente tinha de me despir - despir minha alma e o meu corpo físico - de uma maneira como nunca precisei ficar em qualquer outro filme”.

As atrizes foram escolhidas em parte para mostrar que o mundo real das boates de striptease, ao contrário da versão típica de Hollywood, é habitado por corpos de todos os formatos e tamanhos. “Houve um momento complicado em que pensei: ‘Meu Deus, eu deveria treinar diariamente’ ”, disse Wu. “Mas este personagem, provavelmente não tinha tempo nem dinheiro para contratar um personal trainer. Eu quero representar esta dançarina da maneira como ela é na vida real.”

Para Scafaria, a cultura das boates de striptease oferece uma maneira de explorar o poder na tela - as dançarinas no palco tentando perturbar o equilíbrio. “Espero que os comentários fora do filme sejam sobre gênero, e economia - sobre o que nós oferecemos, e o que recebemos em troca. Este não é um comércio justo”, afirmou.

Mas principalmente, acrescentou, “o que me importa é se as trabalhadoras do sexo gostarão do filme. Fiz o filme para as trabalhadoras do sexo. Se as mulheres gostarem disso, ótimo. E se os homens gostarem, ótimo também”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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