Comodidades da tecnologia podem tornar obsoletas 'atividades humanas'

Embora lavar roupa à mão possa parecer uma escolha inusitada quando se tem uma lavadora à disposição, a comodidade tende a tornar arcaicas outras atividades

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Por Tom Brady
Atualização:

O impulso a tornar a vida maiscômoda é a força que define as modernas economias e o dia a dia na vida. Como Tim Wu escreveu em matéria para The New York Times, a comodidade torna rapidamente obsoletas as outras opções.

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“Se você já usou uma máquina de lavar, lavar roupa à mão parece irracional”, escreveu. “Depois que você experimentou o streaming da televisão, esperar para assistir a um programa em uma hora determinada parece bobo, e até certo ponto indigno”.

Resistir à tecnologia - não ter um celular, evitar o Google, ou renunciar às redes sociais - exige “um empenho especial que frequentemente é visto como uma excentricidade, quando não como fanatismo”, acrescentou.

Erik Hagerman mostra este fanatismo. Seu experimento - ele decidiu deixar de ouvir todas as notícias políticas sobre os Estados Unidos depois de 8 de novembro de 2017 - exige a persistência de um monge.

Ele obriga os familiares, amigos e conhecidos a obedecer às regras que estabeleceu e a não falar dos fatos correntes. Começoucom a eleição de Donald J. Trump, que o deixou profundamente abalado, mas agora ele diz que se sente mais feliz do que jamais se sentiu.

“Olho o tempo”, disse Hagerman. Ele mora sozinho em uma fazenda de criação de suínos em Ohio e experimenta uma sensação que não tinha há muito tempo. “Estou entediado. Mas isso não me incomoda”.

Erik Hagerman, que desde que Donald Trump foi eleito presidente, abriu mão de saber notícias sobre os Estados Unidos. Foto: Damon Winter/The New York Times

Talvez Hagerman aborreça seu círculo social, mas Wu destaca que damos nomes diferentes a nossas outras escolhas inoportunas.

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“Nós as chamamos hobbies, passatempos, vocações, paixões”, ele escreveu. E, acrescentou, elas são gratificantes, porque nós contestamos as leis da natureza e os limites dos nossos próprios corpos quando “entalhamos madeira, mesclamos ingredientes brutos, consertamos um aparelho quebrado, escrevemos um código, calculamos o ritmo das ondas ou chegamos ao ponto em que as pernas do corredor e os seus pulmões começam a se rebelar contra ele”.

Cal Newport, professor associado de Ciência da Computação na Georgetown University, desafiou os leitores do seu blog a retirar todas as interações digitais que não fossem cruciais para o seu trabalho e a sua vida. Depois de um mês, eles introduziram aos poucos tudo de volta.

Anya Mushakevich, uma bielo-russa que estuda na Universidade da Pensilvânia, disse que a impossibilidade de se socializar online obrigaria os seus amigos no exterior a fazer o esforço de descobrir seu e-mail ou o número de telefone.

“Sinto que invisto mais no tempo que passo com as pessoas”, disse Anya, 20. “E como interagimos menos frequentemente, sentimos que queremos aproveitar ao máximo o momento. Isso se torna mais significativo do que se tivéssemos todo o tempo do mundo, como fazemos com o Facebook”.

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Cal Newport disse que o experimento fez que muitos de seus leitores se dessem conta de quanto haviam se tornado dependentes de sites e aplicativos. Muitos dos que desligaram os aparelhos falaram que haviam começado novos hobbies: pintura, exercícios físico, redação de um livro.

Sara Clemence, editora de viagens, escreveu em seu novo livro, “Away & Aware: A Friend Guide to Mindful Travel”, que o segredo de uma viagem maravilhosa está em deixar de lado a tecnologia. “O que significa desconectar todos os nossos aparelhos e conectar-se com o que nos cerca, ter consciência das pessoas, da comida, a cultura, o cenário à nossa volta e prestar atenção em tudo isso”, contou. “São coisas que andaram um pouco esquecidas nesta era superconectada”.

Ao viajar com crianças, é importante fazer com que elas também se envolvam e obedeçam às mesmas restrições em relação aos aparelhos. É possível que elas fiquem aborrecidas, mas Sara achou que isso é “perfeitamente saudável”.

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“Meu filho de cinco anos começou a fazer seus brinquedos com todo tipo de material que tínhamos à mão”, contou. “Ele fez uma casa com uma caixa de pano, um avião com uma garrafa. Isso me fez perceber que, acidentalmente, estávamos aumentando nossa engenhosidade”.

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