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Na Coreia do Sul, mulheres impulsionam startups

Em 2018, cerca de 12% das mulheres em idade para trabalhar estavam envolvidas na fundação ou administração de novas empresas no país

Por Michael Schuman
Atualização:

HWASEONG, COREIA DO SUL - A Energy Nomad parece ser uma típica empresa sul-coreana: praticamente todos os funcionários são homens. Engenheiros observam linhas de produção em uma fábrica nos arredores de Seul. A única exceção saúda com uma reverência um gerente sênior enquanto este a conduz para uma sala de reuniões.

Mas as aparências podem enganar.

A mulher, Park Hye-rin, 33 anos, fundou a Energy Nomad em 2014. “Talvez eu possa incentivar a próxima geração de mulheres", disse ela. “Mais mulheres podem se interessar em fazer parte dessa comunidade do futuro.”

Foi necessário um “esforço extra” para que Kim Min-kyung fundasse sua empresa de lingerie. Foto: Jean Chung para The New York Times

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Ela é um exemplo da nova onda de coreanas que estão fundando as próprias empresas, frustradas na ascensão pela hierarquia corporativa em uma cultura empresarial de imenso predomínio masculino.

Em 2018, mais de 12% das mulheres em idade para trabalhar na Coreia do Sul estavam envolvidas na fundação ou administração de novas empresas, uma alta considerável em relação aos 5% observados dois anos antes, de acordo com a Global Entrepreneurship Monitor. No Japão, onde as mulheres enfrentam discriminação semelhante, apenas 4% delas estão fundando empresas.

Um relatório da Mastercard envolvendo 57 economias globais no ano passado disse que a Coreia do Sul foi o país que apresentou mais progresso no avanço das jovens empreendedoras. A tendência pode reformar a paisagem de um mundo corporativo onde a discriminação contra as mulheres é profundamente arraigada.

A Coreia do Sul tem sido uma maravilha de progresso econômico nos 50 anos mais recentes, transformando-se de um dos países mais pobres do mundo em uma potência industrial conhecida pelos microchips e smartphones. Mas a ideia do papel das mulheres na sociedade frequentemente as aprisionou em empregos mal pagos sem perspectiva de promoção. Apenas cerca de 10% dos administradores na Coreia do Sul são mulheres, a menor proporção entre os países estudados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, enquanto a diferença salarial entre homens e mulheres é a maior.

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Erguer um novo empreendimento é uma tarefa arriscada em quaisquer circunstâncias, mas, com frequência, as sul-coreanas não são levadas a sério por banqueiros, executivos e até funcionários do sexo oposto.

“É necessário um esforço extra para ser uma empreendedora", disse Kim Min-kyung, 35 anos, fundadora de uma empresa de lingerie personalizada, a Luxbelle.

De acordo com os critérios habituais de sucesso na Coreia do Sul, ela já poderia se considerar bem-sucedida, conseguindo empregos em afiliadas do grupo Samsung, que estão entre os cargos mais cobiçados do país. Embora nunca tenha enfrentado diretamente a discriminação na empresa, ela disse: “me parecia impossível chegar ao topo da hierarquia".

Kim largou o emprego em 2014 e fundou a Luxbelle um ano mais tarde. O site da empresa ajuda as mulheres nas compras online, escolhendo modelos e tamanhos. Ela se envolveu na maioria dos aspectos do negócio - projetando peças, administrando o site e captando recursos.

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Esse tipo de empreendedorismo já foi raro na Coreia do Sul. Famílias conservadoras tendem a pressionar os filhos e filhas na busca por cargos previsíveis no governo ou nas maiores empresas. O capital de investimento era escasso em um sistema construído para canalizar os recursos para os grandes conglomerados que dominam a economia. A situação começou a mudar no fim dos anos 1990. O empreendedorismo se tornou mais aceito, e a disponibilidade de dinheiro aumentou.

As atitudes da sociedade em relação às mulheres também estão mudando, ainda que lentamente. Ainda é comum esperar das mulheres que arquem com o fardo do cuidado com os filhos e das responsabilidades do lar.

“Agora parece haver também a ideia de que as mulheres cuidam de responsabilidades demais", disse Lee Ji-hyang, 28 anos, que fundou a marca de perfumes Mark Whale no ano passado com o apoio do marido.

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O governo quer mais mulheres na força de trabalho conforme a população fica mais velha, buscando maneiras de manter a economia crescendo. De acordo com o ministério das startups, US$ 470 milhões foram destinados para ajudar empresas administradas por mulheres em 2019, 18 vezes o valor observado em 2015. As instituições públicas também reservaram US$ 7,6 bilhões para comprar de empresas de mulheres este ano.

As empreendedoras ainda enfrentam obstáculos. Kim se viu debatendo as peças de lingerie da Luxbelle com investidores homens. “Eles nem percebem que oferecer ajuda na escolha do sutiã pode ser um ramo de negócios", disse ela. 

Administrar os funcionários do sexo oposto também pode ser desafiador, como descobriu Jihae Jenna Lee, 39 anos. Depois de mais de uma década em Wall Street, ela voltou à Coreia do Sul e, em 2015, fundou a AIM, oferecendo conselhos financeiros com base em análise computadorizada. Agora administrando um capital de US$ 40 milhões, Lee e sua equipe trabalham a partir de um escritório da WeWork no norte de Seul. 

Em 2016, ela contratou um gerente sênior de uma corretora de Seul. Mas, de acordo com ela, o gerente teve dificuldade em aceitar que sua superior era uma mulher. Ele logo deixou a empresa. Muitos sul-coreanos estão “desacostumados à ideia das mulheres no poder, das mulheres tomando decisões e das mulheres como sócias", disse Lee. “Na maioria dos casos, não viram mais do que uma executiva em toda a vida.” / Su-Hyun Lee contribuiu com a reportagem. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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