PUBLICIDADE

Datilografando um romance enquanto forma de arte

Um artista de Los Angeles está datilografando o romance 'O Grupo', de Mary McCarthy, sobre oito alunos de Vassar no campus da própria universidade no Estado de Nova York

Por James Barron
Atualização:

POUGHKEEPSIE, NOVA YORK - Tim Youd se distraiu. Ele não reparou que o papel estava mal inserido até datilografar “Aconfiançaadeixouconformela”.

PUBLICIDADE

Um autor colocaria espaços entre as palavras, mas Youd não é um autor. Ele é um artista performático que datilografa romances famosos, palavra por palavra, sem os espaços: linhaapóslinha,nesseestilo. E ele o faz usando antigas máquinas de escrever como as utilizadas pelos próprios autores. Youd, 50 anos, já datilografou 55 romances até agora. O objetivo é chegar na marca de cem.

Youd datilografou “Adeus às Armas” em Piggott, Arkansas, onde Ernest Hemingway escreveu boa parte do livro, e “O Som e a Fúria” na cidade em que morava William Faulkner: Oxford, Mississippi.

Seu 56º romance o trouxe até aqui, no campus da Vassar College. Está datilografando “O Grupo", o best-seller de 1963 a respeito de oito colegas que estudam na Vassar. A obra deu fama e riqueza à autora, Mary McCarthy, formada em Vassar em 1933.

Vassar é diferente do que era na época de Mary: entre outras mudanças, a universidade passou a aceitar também rapazes desde 1969. Mas Youd decidiu que “O Grupo” era exatamente a obra que deveria datilografar no campus da Vassar, e não apenas por causa das referências geográficas. Ou do potencial enquanto aula de história para os graduandos da era dos laptops e celulares, que nunca tocaram numa alavanca de retorno nem ouviram o sino tocar ao final de uma linha.

Youd estava digitando numa única folha de papel com espaçamento simples. Essa única folha conterá o romance inteiro. Quando ele chegar à página 487, o texto será uma mancha de tinta ininteligível.

O artista conceitual Tim Youd datilografando o romance 'O Grupo', de Mary McCarthy, na universidade Vassar College. Foto: Mariana Vincenti para The New York Times

“Estou abordando o trabalho da perspectiva de um artista visual interessado em como o texto e a literatura se manifestam de maneira visual", disse.

Publicidade

Ele digita usando apenas dois dedos e disse não ter ideia de quantas palavras por minuto consegue datilografar. “Sou do tipo que pensa em páginas por hora", explicou. “Em geral, tento fazer 25 páginas por dia”.

Num dos dias produtivos há algumas semanas, ele se sentou para trabalhar sob um plátano londrino que já era um marco no campus na época de Mary. Ele montou a máquina de escrever sobre uma mesa dobrável que transportava pelo campus usando um carrinho.

Naquele dia, a máquina de escrever escolhida era uma Remington portátil, que Youd disse ser do mesmo modelo usado por Mary quando escreveu “O Grupo". Ele a comprou no eBay.

Youd disse ter cometido erros ao longo do processo. “Deve ser um erro a cada linha", disse ele. “Simplesmente continuo datilografando. Estou me esforçando para datilografar cada palavra, mas trata-se de um exercício de boa leitura, e não de boa datilografia”.

O primeiro romance que ele datilografou foi “Medo e delírio em Las Vegas”, de Hunter S. Thompson. “Escolhi esse autor porque ele datilografou ‘O Sol também se levanta’ e ‘O Grande Gatsby’ para aprender a escrever ficção no começo de sua carreira", disse ele.

Os universitários passavam por ele. Jennifer Novak disse ter visto máquinas de escrever manuais em museus, “mas nunca assim". Segundo ele, “é meio hipnótico”.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.