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Imigrantes deportados dos EUA para o Camboja relatam problemas de adaptação

Até o momento, cerca de 600 imigrantes com residência permanente e de ascendência cambojana foram deportados dos Estados Unidos, e muitos não reconhecem o Camboja como um lar

Por Hannah Beech
Atualização:

PHNOM PENH, Camboja - Era peixe no café da manhã, peixe no almoço e peixe no jantar.

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"Odeio peixe", queixou-se Khan Hin.

O que Hin queria era um hambúrguer. Quem sabe até uma tigela de cereais. Ou alguma batata frita. "Estou louco pelos meus salgadinhos Cheetos", falou.

O paladar de Hin é americano. Seu vernáculo, a gíria das ruas de Stockton, Califórnia, é americana. Mas Hin, 33, não é americano. Nascido em um campo de refugiados tailandeses, ele foi para os Estados Unidos quando era ainda bebê. Seus pais, refugiados fugidos do genocídio no Camboja, nunca pediram a cidadania para o filho. Até ser preso aos 18 anos por roubo de automóvel, Hin não tinha ideia de que era apenas um residente com permanência legal.

A lei americana é inflexível: a deportação se aplica aos residentes com permanência legal que cometem um crime grave nos Estados Unidos. Estes crimes incluem não comparecer no tribunal, apresentar uma declaração de imposto falsa e delitos mais graves. Os deportados não podem retornar aos Estados Unidos.

Hin tinha passado cinco anos no exército e tinha um emprego quando a imigração e a polícia alfandegária o procuraram. Três anos atrás, foi deportado para o Camboja. Esta era a primeira vez que entrava no país. E não falava khmer, a língua local.

Foi assim que Hin acabou nos arrabaldes de Phnom Penh, capital do país, na casa de uma família amiga com a qual não consegue se comunicar, comendo peixe em três refeições por dia.

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"Havia ratazanas, porcos, criancinhas por toda parte", contou. "Era um gueto, só que pior. Isso não era uma casa. Os Estados Unidos são a minha casa".

Khan Hin, 33, foi deportado para o Camboja há três anos e achou muito estranho. "Era o gueto, só que muito pior" Foto: Adam Dean para The New York Times

O presidente Donald J. Trump redobrou a atenção quanto ao destino dos imigrantes legais e ilegais, mas as deportações de cambojanos começaram em 2002. Até o momento, cerca de 600 imigrantes com residência permanente e de ascendência cambojana foram deportados dos Estados Unidos, muitos deles diretamente da cadeia. O número provavelmente aumentará este ano, porque Trump decidiu combater os imigrantes com antecedentes criminais.

Posy Chheng foi deportado em maio do ano passado, poucas semanas depois do nascimento do filho. Sua esposa cresceu no interior do estado de Minnesota e não tinha a menor noção do terror desencadeado pelo Khmer Vermelho, quando pelo menos 1,7 milhão de cambojanos foram executados ou morreram de doenças ou de fome, no final dos anos 1970. Aos 14 anos, Chheng foi condenado por assassinato em segundo grau e pegou uma pena de 17 anos de cadeia. Quando foi solto, há cinco anos, foi trabalhar como barbeiro em St. Paul e passou algum tempo com a mãe, que criara quatro filhos sozinha. Seu filho continua em Minnesota.

"Penso nele o tempo todo", disse Chheng. Os imigrantes asiáticos costumam ser considerados uma minoria modelo, nos Estados Unidos, com boa formação escolar e níveis de renda superiores aos dos outros. Mas os 270 mil descendentes de cambojanos são alguns dos mais pobres do país.

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Muitos refugiados do Camboja eram agricultores que fugiram do Khmer Vermelho sem nenhuma escolaridade ou economias. Uma vez nos Estados Unidos, eles lutaram para conseguir um trabalho manual, como empacotadores de frutas ou operários em fábricas de roupas.

Os refugiados cambojanos, juntamente com os vietnamitas e os laocianos, muitas vezes eram transferidos para localidades perigosas. Nos anos 1980, seus filhos já haviam formado gangues de rua.

"Tínhamos de nos proteger dos tiroteios dos amigos", disse Ricky Kul, que tinha 15 anos quando entrou no bando Oriental Lazy Boys em Los Angeles e, mais tarde, foi preso por assalto. Alguns deportados se suicidaram ou foram presos por tráfico de drogas. Mas Kul, 42, que foi deportado há dois anos, agora é gerente de um bar em Phnom Penh.

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"Se eu não estivesse aqui, poderia estar morto", comentou. "Deixar os EUA, de certo modo, me obrigou a mudar de vida".

A única coisa de que ele sente falta é a presença da mãe, que tem diabetes. A Phnom Penh moderna, com suaslojas da Pizza Domino’s e shopping centers com ar-condicionado, é uma coisa inimaginável para ela, afirmou. As memórias da pátria para ela são as das bombas e dos cadáveres da era do Khmer Vermelho.

"Vou me aprumar", disse Kul, "e depois vou trazê-la para cá e mostrar para ela: ‘Veja a vida que estou levando, veja o Camboja’. Finalmente ela poderá se orgulhar".

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