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Índia reduz número de casamentos infantis

Conscientização da sociedade e repressão por parte das autoridades está mudando o cenário

Por Kai Schultz e Suhasini Raj
Atualização:

MADHURA, ÍNDIA - Os convidados estavam reunidos, ainda que a noiva adolescente e sua mãe não quisessem que a menina fosse adiante com o casamento. Foi necessária uma batida policial para interromper a cerimônia.

É difícil adivinhar a idade de Deepa Kumari, a noiva em questão. Um documento de identidade do governo diz que ela tem 15 anos. O pai, Suresh Chaudhary, acusado de vender Deepa por cerca de US$ 300 para um noivo de 31 anos, insiste que ela tem 17. Um policial local calculou a idade dela como sendo 13 anos.

A pobreza está por trás de alguns casamentos infantis. Suresh Chaudhary é acusado de vender a filha por US$ 300 Foto: Atul Loke para The New York Times

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De todo modo, ao anoitecer daquele dia de fevereiro, um grupo de policiais à paisana entrou no vilarejo de Madhura, no estado de Bihar. Eles perseguiram homens pelos campos e detiveram a noiva e o noivo para interrogatório.

Posteriormente, falando aos repórteres na delegacia, Deepa deixou claro o seu posicionamento: “Não quero me casar, senhor", disse ela. “Quero estudar.”

A incidência de casamentos infantis na Índia é uma das mais altas do mundo, impulsionada pela pobreza e pela falta de oportunidades para garotas. Mas, conforme aumenta a conscientização das pessoas e a repressão por parte das autoridades, essa proporção está diminuindo.

Dados divulgados este mês pela Unicef revelaram que o risco de uma garota se casar antes dos 18 anos no sudeste da Ásia caiu mais de um terço na década passada, de quase 50% para aproximadamente 30%, em grande parte por causa de avanços na Índia.

Aqui, o casamento infantil se mistura a outras práticas, incluindo a entrega de um dote da família da noiva para o noivo, e às vezes o tráfico sexual, tornando difícil enfrentar um aspecto do problema sem lidar com os demais.

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Bihar, um estado pobre no norte da Índia, apresenta uma das mais altas incidências de casamentos entre menores de idade no país, de acordo com o Levantamento Nacional da Saúde da Família na Índia.

No ano passado, o governo de Bihar lançou sua própria campanha de repressão. O governador, Nitish Kumar, enviou assistentes sociais por todo o estado e anunciou que os sacerdotes envolvidos em casamentos seriam obrigados a assinar documentos afirmando que ambas as partes são maiores de idade. A idade mínima para casamento para as indianas é de 18 anos. Para os indianos, 21 anos.

Com a lei de prevenção do casamento infantil assinada em 2006, os legisladores indianos o criminalizaram, impondo uma sentença de prisão de até dois anos e uma multa para os infratores. Ainda assim, há muito a progredir. Poucos casamentos infantis são denunciados, e embora a polícia tenha reprimido a prática em Bihar, uma vigilância mais agressiva pode levar os casamentos infantis para a clandestinidade.

O casamento infantil é socialmente aceito em parte da Índia, onde acredita-se que casar as filhas cedo as protege de investidas sexuais indesejadas e consolida o status de uma família na comunidade. Anoj Kumar, chefe de polícia de Madhura, disse que essa parte de Bihar evoluiu, destacando que outros aldeões foram contra o casamento de Deepa Kumari. “Até a mãe de Deepa era contra o casamento", disse ele. “O pai disse que a estava casando por causa da pobreza.”

Em Madhura, Chaudhary contou sua versão da história. “Ninguém me deu dinheiro", disse ele. “A sociedade disse que estávamos casando a menina à força. Alguém de fora reclamou.”

Com o cair da noite, Chaudhary fez um apelo a Deepa para que fizesse uma aparição. Quando ninguém apareceu, Kailash Mishra, que emprega Chaudhary em seus campos, sorriu.

“Ela deve estar escondida", disse ele. “Não queria o casamento. Está feliz. O que iria acontecer não aconteceu.”

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