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Mulheres são expulsas de ringue de sumô durante tentativa salvar homem

O episódio foi visto como uma metáfora do tratamento dado às mulheres no Japão, país que ocupa um dos últimos lugares no ranking de igualdade de gênero

Por Motoko Rich
Atualização:

TÓQUIO - O sumô, um dos mais antigo e mais reverenciados esportes do Japão, tem muitos rituais invioláveis. Os lutadores usam o cabelo cuidadosamente penteado e preso em um coque. Antes de cada luta, eles espalham grãos de sal purificador. Mas as mulheres nunca, jamais, tiveram a permissão de subir no ringue. Mesmo que a vida de um homem esteja em jogo.

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As práticas discriminadoras do sumô estão sendo analisadas depois que um juiz escorraçou algumas mulheres de um ringue em uma luta de demonstração em Kyoto, no dia 4 de abril, quando correram na tentativa de salvar a vida de um político que havia desmaiado enquanto discursava. A notícia dominou os programas de entrevistas e redes sociais no dia seguinte, com um vídeo do episódio - em que se ouvia um juiz berrando em um alto-falante: “Mulheres, saiam do ringue” -, e recebeu mais de 800 mil visualizações no YouTube, além de uma enxurrada de críticas.

“Acreditar que essa tradição é mais importante do que a vida humana é como um culto que confunde fundamentalismo com tradição”, escreveu em seu blog o quadrinista Yoshinori Kobayashi.

Em um país que ocupa um dos lugares mais baixos no ranking da igualdade de gênero em saúde, educação, economia e política, o episódio foi visto como uma metáfora do tratamento dado às mulheres no Japão.

As raízes do sumô estão ligadas aos rituais da colheita, quando as lutas eram realizadas para agradar às deusas. Foto: Motoko Rich

No Japão, elas enfrentam uma série de obstáculos à igualdade. Uma lei que exige que os casais usem o mesmo sobrenome significa que, após o casamento, a grande maioria das mulheres deve abrir mão do seu. O Japão é um dos países em que o número de mulheres que participam da política é um dos mais baixos do mundo. Elas não podem ocupar o trono imperial. Naquela semana, saiu a notícia sobre uma creche em que um supervisor repreendeu asperamente uma funcionária por ter engravidado antes que fosse a sua “vez”.

Entre as mulheres expulsas do ringue havia uma enfermeira que assistia à luta; ela correu para o “dohyo”, como é chamado o quadrilátero de palha onde os atletas de enfrentam, para administrar uma resuscitação cardiopulmonar ao político caído.

Ryozo Tatami, prefeito de Maizuru, cidade de cerca de 84 mil habitantes na prefeitura de Kyoto, estava pronunciando um discurso quando sofreu uma hemorragia cerebral e desmaiou. Ele foi levado ao hospital para receber cuidados médicos.

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No vídeo, parece que vários membros da equipe de sumô cercaram Tatami antes que a enfermeira pudesse começar o procedimento. Três outras mulheres também correram para ajudar. Quando o juiz ordenou que saíssem, elas recuaram, causando confusão ao redor do paciente.

Alguns defenderam a presença das mulheres no ringue, afirmando que deveria ter sido feita uma exceção, considerando a emergência. Um usuário do Twitter, no entanto, escreveu que “as loucas feministas se aproveitarão disso”.

Segundo os historiadores, as raízes do sumô remontam aos rituais da colheita associados ao xintoísmo. Existem várias teorias a respeito da exclusão das mulheres no ringue. Uma delas sugere que originalmente lutadores se enfrentavam em combates para agradar às deusas da colheita, e os agricultores acreditavam que as mulheres no ringue invocariam a raiva das deusas, as quais prejudicariam a colheita.

O sumô é um esporte muito apreciado pelas mulheres, e elas representam 50% do público nas lutas. Depois dos protestos, Nobuyoshi Hakkaku, presidente da Associação de Sumô do Japão, emitiu uma declaração agradecendo à mulher que “prontamente ofereceu a sua ajuda na emergência” e pediu desculpas pelo juiz que ordenou a ela e às outras mulheres que saíssem do ringue. “Não foi uma resposta adequada”, afirmou Hakkaku.

Mas Mari Miura, professora de Ciências Políticas na Universidade Sophia em Tóquio, foi taxativa: “Esta conduta sexista não deve ser esquecida”.

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