PUBLICIDADE

Nos filmes de terror, sementes da verdade

'Winchester' é mais uma das películas de horror que pretendem usar uma suposta veracidade de enredo

Por Robert Ito
Atualização:

A Misteriosa Mansão Winchester, de San José, Califórnia, é extravagante ou sinistra, dependendo de como as pessoas veem estas coisas, com escadas que levam ao teto e portas que se abrem para lugar nenhum.

Era a casa de Sarah Winchester, herdeira da fortuna da Winchester Repeating Arms Company, fabricante de rifles e carabinas de repetição que, segundo a lenda, manteve operários trabalhando na mansão durante dezenas de anos, de 1884 até a sua morte em 1922. Ela levou a cabo o projeto a mando de um profeta da Nova Inglaterra, com a finalidade de protelar a própria morte, diz uma versão da história, ou para acalmar os espíritos das milhares de almas dos que morreram ao longo dos tempos pelos fuzis Winchester, segundo outra.

A atriz Helen Mirren interpretaa viúva Sarah Winchester, uma heroína que afasta os maus espíritos e os gananciosos executivos da companhia Foto: Josh Haner/The New York Times

PUBLICIDADE

A lenda tem todas as características de um bom filme de horror. E, o melhor de tudo, é que a história é verdadeira - ou será que não?

Em “Winchester”, que estreou mundialmente no mês passado, os diretores Peter e Michael Spierig (“O Predestinado”, “Jogos Mortais: Jigsaw”) levaramao pé da letra a história arrepiante, enchendo a mansão de fuzis que levitam, cadeiras de balanço que se movem sozinhas, e os fantasmas de um exército de veteranos de guerra,mortos há muito tempo, e de vítimas de assassinatos. E ainda Helen Mirren, vestida da cabeça aos pés de trajes pretos de luto, como a misteriosa Senhora Winchester.

“Winchester” é o mais recente de uma linha de filmes de horror que usufrui de sua suposta veracidade. “Horror em Amityville”, de 1979, baseou-se no relato de uma suposta casa assombrada, de 1975. As macabras façanhas de Ed Glen, um assassino que fabricava móveise roupas com partes do corpo, inspirado no “Massacre da Serra Elétrica” do Texas, e no “Silêncio dos Inocentes”.

O interessante é que a “verdadeira história” de Sarah Winchester foi posta em dúvida há muito tempo. Sarah Winchester construiu de fato a casa, mas a maior parte da história foi inventada pelos jornalistas da sua época, afirma Mary Jo Ignoffo, autora de “Captive of the Labyrinth: Sarah L. Winchester, Heiress to the Rifle Fortune”.

As escadas vão mesmo até o teto, e as portas, abrem-se para lugar nenhum? Resultado da destruição provocada pelo terremoto de 1906. E todos aqueles quartos? Um reflexo do interesse de Sarah pela arquitetura e pelo design de interiores. E a sua suposta “culpa por causa dos fuzis”? “Ninguém se sentia culpado por causa de armas, na virada do século 20”, segundo a escritora. “Todo mundo as usava e precisava delas”.

Publicidade

“A mentira fundamental é que a construção da casa durou o tempo todo”, acrescentou. “Sarah sequer morou na casa nos últimos 15 anos de vida”.

Tanto o filme quanto a biografia chegam a conclusões semelhantes a respeito da Sra. Winchester: ela foi mais heroica e menos maluca do que a pintaram. No livro de Mary Jo Ignoffo, ela foi uma mulher de negócios muito sagaz, uma empresária estimada; irmã e tia generosa, e também uma filantropa. Em “Winchester”, ela é uma heroína que protege a família e o lar dos maus espíritos e dos executivos gananciosos da companhia.

Se o filme às vezes se desvia da verdade em nome de um bom horror - não há registros de que ela jamais tenha atacado um garoto possuído pelo espírito de um soldado confederado assassino, por exemplo - é isto que os seus criadores querem.

“Afinal, não estamos fazendo um documentário”, disse Michael Spierig. “Estamos fazendo uma obra para entretenimento”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.