Reformas de Macron despertam a ira dos franceses

Menos de um ano depois da eleição, o sentimento anti-Macron é crescente na França

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Por Adam Nossiter
Atualização:

PARIS - Os jornalistas não usaram gravatas nem se referiram a ele como "Sr. Presidente": dois insultos consideráveis numa entrevista recente na televisão que serviu para sublinhar um novo capítulo na volátil presidência de Emmanuel Macron, definido pela fúria popular.

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A falta de deferência e a sequência de perguntas hostis na entrevista de 15 de abril se somaram a um brutal perfil de Macron num novo livro de memórias escrito por seu antecessor, François Hollande. O ponto em comum entre o livro e a entrevista era a substância dos ataques (acusando Macron de ser um oportunista servo dos mais afortunados na sociedade) e a demonstração de que estava aberta a temporada de caça ao presidente francês.

Passado menos de um ano desde o início da nova presidência, o sentimento anti-Macron está se tornando uma força poderosa. É alimentada pela sensação de que ele tentaria ir longe demais em muitas áreas, cortando os benefícios dos pensionistas e da população de baixa renda, distribuindo dinheiro aos mais ricos e eliminando os privilégios dos trabalhadores.

O crescimento das opiniões desfavoráveis se reflete na queda da aprovação de Macron entre os trabalhadores e a classe média (a popularidade dele segue alta entre aqueles que os franceses chamam de "executivos"). Isso também se vê nas ruas, onde uma série de greves e protestos testa a determinação de Macron.

"Há descontentamento em todas as áreas", queixou-se Edwy Plenel, jornalista do site Mediapart e um dos recentes entrevistadores de Macron.

O líder francês, Emmanuel Macron, enfrenta problemas de popularidade menos de um anos após assumir a presidência. Foto: Alain Jocard/Pool via The New York Times

"Sua pergunta é parcial!", retrucou Macron. "O descontentamento dos trabalhadores ferroviários não tem qualquer relação com o descontentamento nos hospitais!".

Por enquanto, o resultado é uma greve que paralisou o sistema ferroviário francês, fechou muitas universidades e trouxe às ruas manifestantes hostis que tentam resistir aos esforços de Macron no sentido de mudar a cultura de trabalho no país.

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Durante a entrevista, que se seguiu por mais de duas horas, Macron foi criticado, interrompido, tratado com condescendência. E ele retrucou à altura. Foi tratado simplesmente como "Emmanuel Macron" (como um cidadão Macron, ao estilo da Revolução Francesa). "Você está indo atrás de dinheiro nas carteiras dos aposentados! Com licença, Emmanuel Macron!", disse exaltado Jean-Jacques Bourdin, outro entrevistador, interrompendo o presidente.

"Tenho que botar o país para trabalhar novamente", respondeu Macron. "Há muitos que trabalham duro e não ganham o bastante pelo trabalho que fazem".

"Você não é o professor e nós não somos seus alunos!", disse Plenel, repreendendo Mácron.

O líder de extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon aproveitou a "luta livre" televisionada, descrição de um comentarista para a entrevista. "Júpiter caiu do céu!", declarou ele, evocando o rei dos deuses, apelido que a mídia francesa tinha aplicado a Macron.

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É verdade que Macron teve bons momentos ao falar a respeito da Síria, do mercado de trabalho e dos impostos. Mas a imagem que ficou foi a de um presidente irritado, lembrando seus interlocutores: "Eu sou o presidente da república, e vocês são os entrevistadores!"

Da mesma maneira, em seu livro "Lições do poder", Hollande traça um perfil amargo de seu sucessor. Será que o jovem ministro da economia, antigo protegido de Hollande, apunhalou seu mentor pelas costas e saltou sobre sua carcaça para ficar com a presidência? Trata-se de perguntas que estão no subtexto da política francesa desde a eleição de Macron. Hollande praticamente responde que sim. E Hollande resume os limites e o potencial das perspectivas de Macron, observados por ele quando o jovem era seu assessor à presidência. "Ele tem a certeza de que a realidade se curva para satisfazer seus desejos assim que ele os manifesta".

Em seu livro, o ex-presidente escreveu: "meu governo reduziu a desigualdade, enquanto este governo a está aprofundando". / Elian Peltier contribuiu com a reportagem.

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