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"Talebans já chegam aos portões de Cabul"

Por adrianacarranca
Atualização:

Conheci o jornalista afegão Farhad Peikar na Organização das Nações Unidas, em Nova York, em 2006. Desde que nasceu, em uma província ao norte do Afeganistão, o seu país está afundado em intermináveis conflitos. Aos 28 anos, ele não conhece a vida se não sob ocupação - primeiro, dos russos, em 1979, passando pelos Mujahedin e os Taleban até a invasão americana.

Em sua primeira viagem aos Estados Unidos, fatalmente seduzido pela América e com esperanças renovadas de que aquele país rico e desenvolvido teria condições de tirar o Afeganistão da situação de violência e miséria, o jornalista apoiava a invasão americana. Como muitos afegãos, ele acreditava na queda dos Taleban e nas promessas de reconstrução do país. Hoje, sua visão mudou completamente.

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Para muitas pessoas, Cabul parece ser o único lugar seguro no país. Ou, pelo menos, para os que escapam das províncias do leste e sul, onde a insurgência dos Taleban atingiu seu pico. No entanto, se você perguntar a pessoas que vivem aqui, elas têm uma visão completamente diferente da capital. A cidade parece um quartel militar. Por toda parte, o que se vê é arame farpado, enormes blocos de concreto e portões de segurança - tudo para proteger os movimentados prédios onde funcionam as embaixadas e as bases militares da Nato (sigla em inglês para a Otan, Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Parece que os soldados afegãos e militares da Nato estão mais preocupados com sua própria segurança e mantêm-se escondidos atrás de toneladas de cimento e metais. Eu, normalmente, evito ir ao centro da cidade, a menos que eu tenha de ir, porque o cenário deixa você sem esperanças sobre o futuro que poderemos ter aqui.

Os Taleban já chegaram muito perto dos portões da capital. E não pense que eu estou exagerando. Talvez eles ainda não controlem a periferia, mas têm se infiltrado e plantado minas nessas regiões. No domingo, um soldado da coalizão morreu e outro ficou ferido por uma bomba deixada em uma rua do leste da cidade, distante apenas sete quilômetros do gabinete do presidente Hamid Karzai.

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Muitos dos meus amigos, que vivem em Logar, a 50 quilômetros da capital, tiveram de deixar seus empregos porque os taleban os ameaçaram de morte, caso continuassem trabalhando em Cabul ou para o governo. Graças ao treinamento precário da polícia e ao desemprego, o crime é muito acentuado na cidade. Seqüestros por dinheiro para o resgate das vítimas tornaram-se corriqueiros. Algo que pode acontecer com seus amigos e entes queridos.

A maior parte dos homens de negócios mandam suas famílias para Dubai ou Tajiquistão ou para outros lugares na região; e eles próprios vivem sem aparecer muito. Desde os ataques à embaixada da Índia, no dia 7 de julho, toda a rua está bloqueada para o tráfego de veículos. Os que tinham negócios naquela área não podem mais abrir as portas ou, mesmo que o façam, não terão clientes.

Por favor, não me pergunte sobre a "poderosa força da Nato". A situação da NATO dentro de Cabul é bizarra. Onde quer que eles sejam vistos nas ruas, fazem lembrar de um filme de Hollywood. Dirigem como se estivessem participando de uma corrida. E sempre têm suas armas apontadas para "cabulis", em pânico. Eu não sou um militar, mas estou certo de que existem muitas outras formas de evitar ataques suicidas. Como você pode dizer que quer ganhar o coração e mente das pessoas e, ainda assim, manter suas armas apontadas para elas todo o tempo, gritando para que mantenham distância de seus veículos? Afinal de contas, isso aqui é o seu país, o "Afeganistão" (que significa, terra dos afegãos). São os afegãos os donos originais dessa terra.

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"Se quisermos ter paz no mundo, temos de aceitar uns aos outros"

Em 2007, Farhad Peikar foi personagem do documentário Afghan Journey: A Story of Friendship (Jornada ao Afeganistão: Uma História de Amizade) de dois jovens jornalistas do estado americano de Nebraska, que passaram três semanas no Afeganistão. O filme fala de amizade, diferenças culturais e de uma relação possível entre os dois povos.

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Assista aqui.

O jornalista afegão, hoje, trabalha para uma agência de notícias alemã e contribui com a CNN. Sua mais recente história é sobre a ocupação de províncias do distrito de Kandahar por cerca de 400 militantes taleban, que fugiram de uma prisão.

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Em sua edição dominical, o The New York Times trouxe uma reportagem sobre a intensificação dos conflitos entre insurgentes taleban e as forças da Otan e Americanas no sul do país. E sobre a conseqüente migração de afegãos, fugidos dos bombardeios nessas áreas, para a periferia de Cabul, onde um campo de refugiados já abriga entre 10 mil e 15 mil pessoas. Somente em julho, 61 famílias de uma única província, Helmand, chegaram ao campo, mantido pela ONU. Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, é apenas "a ponta do iceberg".

Veja aqui fotos e o depoimento de Moises Saman, do NY Times.

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