Em nome de um povo

Por um momento, a impressão é de ter chegado a outra parte do mundo via Edgware Road, uma extensa avenida a oeste do centro de Londres. Placas em árabe, o idioma falado nas redondezas, anunciam restaurantes libaneses, lojas de narguilé, o café Halal, o Sid Marouf. Não há sinais óbvios de Olimpíada. Mas basta percorrer as mesas para perceber os Jogos na conversa das mulheres. Imigrantes de todo o Oriente Médio e norte da África, farão coro hoje na torcida pela judoca saudita Wojdan Ali Seraj Abdulrahim Shahrkhani, que estreia no tatame após longa batalha.

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Por Robson Morelli
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Apenas 15 dias antes do início dos Jogos, a Arábia Saudita deu o aval para a participação de duas atletas mulheres. Não permitiria, porém, que a judoca Wodjan lutasse sem o hijab, o véu islâmico, como exigia insistentemente o Comitê Olímpico Internacional (COI). Na terça-feira, o COI cedeu, alegando "sensibilidade cultural".

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Há 4 milhões de muçulmanos na Inglaterra, a metade deles em Londres. Somam um quarto da população da cidade, público que não podia ser ignorado nos Jogos. Para a ala feminina, a decisão representou mais do que uma vitória do esporte, mas a autoafirmação das mulheres muçulmanas, representadas por Wojdan hoje.

"A Arábia Saudita ainda é um dos países mais fechados do Oriente Médio, onde as mulheres têm muito a conquistar. A participação da judoca num evento de repercussão mundial como este representa uma quebra de paradigma", diz a marroquina Zaina, sem véu, ao lado da amiga iraquiana Dina, com os cabelos cobertos com o hijab. Ambas têm 39 anos e são funcionárias de um banco da região.

Elas dizem não entender a polêmica. "As outras delegações não puderam escolher seus uniformes? Qual a diferença do véu para um outro acessório qualquer?", questionam.

ESCOLHA PRÓPRIA Para Zaina e Dina, tanto a Arábia Saudita quanto o COI estavam errados. "O que está em questão é a escolha. Nós fizemos a nossa. Eu uso o véu, ela não, e somos amigas", ressalta Dina. "Quem deveria escolher o que usar e o risco a correr é a judoca.

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Coberta de negro dos pés à cabeça, Nora Al-Akhab, de 38 anos, nascida nos Emirados Árabes Unidos, também defende que seja uma escolha, mas acredita que quanto mais mulheres participarem da sociedade sob o hijab, mais os países conservadores perceberão que a igualdade de gênero não é uma ameaça à religião.

A estudante Lamah, do Iraque, concorda. "O véu nos identifica facilmente. E é bom que o mundo, e os países que ainda usam a religião erroneamente para manter as mulheres longe da escola, do mercado de trabalho, dos esportes, vejam que o Islã não é impedimento para nada disso." Para ela, Wojdan estará carregando a bandeira da igualdade das mulheres muçulmanas com o véu. "É o que nos une como identidade. E espero vê-la no pódio, orgulhosa sob o hijab. Inshallah."

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