Eu também quero ir a NY. Tem hospedagem para mim, senador?

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Por adrianacarranca
Atualização:

Eu e três colegas jornalistas planejamos uma viagem para Nova York em comemoração a 20 anos de amizade. Queremos celebrar os momentos felizes e os tristes - porque é nestes que mais precisamos dos amigos, afinal, e ter com quem dividi-los é motivo de comemoração. Ao som de New York, New York ("If you can make it there, you can make it anywhere. It's up to you") em uma jukebox qualquer, queremos brindar as tantas conquistas ao longo desses anos.

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Crescemos, os quatro, em bairros simples de Santos, no litoral de São Paulo. A cidade é cortada ao meio por trilhos de trem. E nós costumamos brincar que a tal 'linha da máquina', como dizia a minha avó, separa a cidade não só fisicamente, mas socialmente; os ricos moram perto da praia e os pobres 'do lado de lá', bem longe. Nós vivíamos 'do lado de lá', portanto. Naquela época sonhávamos apenas em ter um cantinho pertinho do mar. Mas, fizemos mais do que isso: sustentamos nossos estudos com o próprio trabalho, conquistamos um diploma e uma profissão, que temos o privilégio de seguir (não é pouco, nesse Brasil com qualidade de ensino péssima e desemprego pior ainda).

Não é pouco mesmo. A maioria dos brasileiros sabe disso, sente na pele o quanto é difícil subir, nem que seja um pouquinho, na escala social desse País desigual. Subir até o planalto (São Paulo) já fora grande coisa, conquistada com suor. Realizar leva tempo. Levou-nos vinte longos anos para chegar até aqui. Por isso acreditamos ter motivos de sobra para comemorar - muita gente não chega, apesar da dura luta de toda uma vida.

Para mais essa conquista - a viagem a NY - há meses cortamos gastos extras a fim de economizar, procuramos promoções de passagens aéreas e lugar para ficar dentro do nosso minguado orçamento, nem que seja para dormir no chão. Ainda assim, não conseguimos confirmar a viagem porque a conta, por enquanto, não fecha. Não é fácil.

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Vocês, caros leitores, podem então imaginar a minha surpresa ao descobrir que num outro planalto, o Planalto Central, as coisas são muito mais fáceis. Imagine que maravilha ter passagem de graça para Nova York e financiamento de R$ 4.580,40 para gastar em hospedagem quase a fundo perdido - você só paga se alguém vier lhe cobrar. E isso pode demorar mais de dois anos, como aconteceu com o senador Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB, conforme noticiado hoje pelo jornal Folha de S.Paulo. Segundo a reportagem, Guerra viajou para os Estados Unidos em fevereiro de 2007 para exames médicos, levando consigo a filha, a advogada Helena Olympia de Almeida Brennand. Tudo pago por nós, contribuintes.

O valor acima foi gasto por ela em diárias apenas, já que a passagem estava garantida porque até abril os congressistas podiam usar suas cotas de passagens aéreas como bem entendessem. Como a filha de Guerra não é servidora nem colaboradora do Senado, ou seja, é apenas uma contribuinte como eu e como você, leitor, quero crer que o financiamento público para hospedagens no exterior seja aberto a qualquer um.

Tem para mim e para os meus amigos também, senador?

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Desde abril os congressistas não podem mais distribuir suas cotas em passagens aéreas para parentes e amigos, nem vendê-las, como antes. E não podem mais acumular créditos para patrocinar passagens particulares. Perderam o benefício por conta do escândalo conhecido como farra das passagens, denunciado pelo Estado em uma série de reportagens, que atingiu o Senado Federal e Câmara dos Deputados.

Ainda bem que tenho milhas! Ufa!

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