Meio conservador, meio de esquerda (dia 5)

Jonny, um argentino simpático de 33 anos, foi o nosso fiel guia nos primeiros dias em Israel. Bolsa a tiracolo, chinelão de dedo, bermuda, cabelão e barba por fazer, ele tem o perfil típico do que se imagina dos jovens judeus, de todas as partes do mundo, que inspirados por ideais socialistas migraram para os kibutz de Israel e, com o trabalho e a vida comunitária, ajudaram a erguer o Estado judaico.

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Por adrianacarranca
Atualização:

Mas Jonny não é socialista e o kibutz onde ele vive foi privatizado. Hoje, funciona como uma empresa capitalista qualquer. Os funcionários recebem salários e, se quiserem viver com a família nas casas antes comunitárias, podem agora alugar ou comprá-las. Jonny aluga a menor delas e mora sozinho no kibutz.

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Os ideais socialistas do início ficaram para trás, em algum lugar remoto da história do movimento sionista.

Jonny defende a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, o uso da força militar por Israel, ainda que isso resulte em muitas baixas civis - como ocorreu em 2008, na Faixa de Gaza - e acredita que os palestinos não tenham um Estado porque "não souberam lutar por isso".

Na classificação local, Jonny é um conservador de direita. Isso, na política. Na religião, ele se diz um liberal. Pelo menos, está à esquerda dos ortodoxos - embora reze todas as manhãs. É um meio conservador, meio de esquerda (como diria o amigo e cronista Antonio Prata).

O motorista da van em que seguimos com Jonny para visitar Cesarea era um jovem palestino muçulmano - que se apresentara a Jonny como cristão. O segurança particular, desnecessário mas obrigatório para grupos grandes de turistas em Israel, segundo Jonny, era druso (movimento originado do islã, mas não considerados muçulmanos por muitos).

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Os árabes em Israel somam 1,5 milhão ou 20% da população - cerca de 270 mil que vivem em Jerusalém e têm apenas a residência israelense permanente estão incluídos nessa conta. Entre esses 1,5 milhão, mais de 80% são muçulmanos e os demais dividem-se entre cristãos e drusos.

Nosso motorista muçulmano vive em Taiba, cidade israelense onde há 37 mil árabes - e nenhum judeu. O segurança mora em uma vila drusa, Daliat El-Carmel. Há separação também entre as comunidades judaicas de diferentes linhas. Há o bairro onde vivem os seculares, outro para os ortodoxos, os ultraortodoxos, os judeus sefaradim, os ashkenazi, os mizrahi, os africanos...

"Se você conseguir entender a sociedade israelense nos próximos dias, me explica, porque eu estou há anos tentando e não consigo!", resume Jonny.

Israel é uma sociedade de contrastes, ao mesmo tempo democrática e segregada; onde todos vivem juntos, mas desmembrados em comunidades; em que cada grupo pode opinar, mas quase ninguém concorda e, na falta de consenso (o que é muito democrático, aliás), é impossível aprovar a Constituição. Uma nação judaica onde ultraortodoxos podem ser também anti-sionistas (sim, há ultraortodoxos são anti-sionistas, como os Naturei Karta, recebidos em 2006 no Irã pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, o inimigo número 1 de Israel que já chegou a negar o Holocausto). Enfim, um Estado meio conservador, meio de esquerda.

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