Nigéria vota hoje contra corrupção e terror

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Por adrianacarranca
Atualização:

Adriana Carranca*

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Nos mapas de votação das eleições presidenciais na Nigéria, uma linha horizontal se desenha de forma nítida, cortando o país ao meio. No norte, os muçulmanos partidários de Muhammadu Buhari, o ex-ditador militar. No sul, os cristãos eleitores de Goodluck Jonathan, o atual presidente que tenta o segundo mandato. Os dois voltam a se enfrentar nas eleições presidenciais de hoje, quando 70 milhões de nigerianos vão às urnas para escolher um novo presidente. Mas a histórica divisão do país já não parece tão evidente.

A corrupção flagrante e endêmica, a desigualdade e o desemprego agonizantes, uma economia golpeada pela queda no preço do petróleo e a percepção de que o governo é incapaz de combater o terror do grupo Boko Haram servem de combustível para uma oposição que se tornou "metástica", nas palavras de Sarah Chayes, especialista em democracia, do Carnegie Endowment for International Peace.

Sarah passou os últimos meses conversando com eleitores de regiões diferentes da Nigéria. "O norte tende a votar no candidato da oposição, mas essa eleição desafia o mapa eleitoral dividido por região e religião. A realidade agora é que o apelo da oposição é realmente nacional. Além de ter um vice sulista, o mais importante não é que Buhari seja visto como um candidato do norte, como a campanha de Jonathan tenta colocar, mas o fato de ele ter a imagem de um governante disciplinado e rigoroso contra a corrupção e de ser um militar, alguém que pode mobilizar as Forças Armadas mais facilmente contra o Boko Haram. É daí que seu apoio vem", disse Sarah Chayes ao Estado.

O grupo terrorista, no entanto, está longe de ser a maior preocupação dos eleitores. Mais da metade dos 174 milhões de habitantes da Nigéria, o mais populoso país da África, vivem em favelas. Embora a renda per capita seja de US$ 2,7 mil, a corrupção e a desigualdade obrigam mais de 60% da população a viver com menos de US$ 1 por dia. As disparidades regionais no país são gritantes: no norte muçulmano, 72% vivem na pobreza, enquanto no sul cristão este índice cai para 27%.

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Segundo Sarah, a corrupção "se infiltrou por todo o tecido cultural nigeriano". "O dinhero passou a significar tudo na sociedade nigeriana, sobrepondo-se a qualquer outro valor. Se você tem dinheiro, você é tudo, se não tem não é nada. Crianças perguntam aos pais se eles têm dinheiro. As pessoas são intimidadas, seu silêncio é comprado. Elas são achacadas em qualquer contato com funcionários do governo. Os nigerianos estão enojados pela corrupção. Houve o caso do rombo de US$ 20 bilhões no banco central no fim de 2013. Qualquer obra tem seu valor triplicado. A corrupção se tornou completamente fora de controle sob Joathan".

Pesquisas mostram que esta será a disputa mais acirrada da história entre o partido do presidente Jonathan, o Partido Democrático Popular, que está no poder desde a redemocratização do país, em 1999, e o partido Congresso de Todos os Progressistas, de Buhari, que perdeu as últimas três eleições. Mas o general não é novo no poder. Ele governou o país por 19 meses (entre 1983 e 1985) após um golpe militar. A maioria dos eleitores nigerianos - 60% têm menos de 19 anos e votarão pela primeira vez - não se lembram de seu governo. Buhari conta com o benefício da dúvida.

"Em 1993, a maioria dos eleitores não tinha nascido ou era muito jovem lembrar que Buhari depôs um governo eleito e foi tão incopetente que, após 19 meses, os próprios militares o tiraram do poder. Em seu regime, houve repressão à liberdade de expressão, artistas e jornalistas foram presos, soldados açoitados, servidores molestados e colocados sob disciplina militar. As relações da Nigéria com seus vizinhos pioraram, após ele expulsar um milhão de trabalhadores imigrantes do país. Mas os jovens não se lembram de nada disso, como os eleitores mais velhos, que viveram esse regime", disse ao Estado J. Peter Pham, diretor do centro de estudos sobre África, da think tank Conselho Atlântico. "Então há hoje além das divisões religiosa e econômica, em que o norte se ressente das riquezas do sul, onde está concentrado o petróleo e toda a atividade produtiva, e o sul se ressente do fluxo de suas riquezas para o norte,também uma divisão demográfica entre os eleitores."

Para ele, a principal força direcionando eleitores para Buhari é o desejo de mudança. "O partido governista tem liderado a Nigéria desde a redemocratização. Os nigerianos, principalmente os jovens, querem mudança. Há muita frustração com a corrupção e a falência dos serviços públicos", disse Pham.

Grande parte da população também atribui a Jonathan o aumento da insurgência dos terroristas do Boko Haram. "Eles acham que um líder militar poderia acabar com o Boko Haram mais rapidamente. Eu acho que eles estão errados, porque a insurgência é mais infiltrada do que imaginam, mas essa é a percepção entre muitos. É menos importante para eleitores hoje que ele seja muçulmano e mais importante que seja um militar", completou Sarah.

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Talvez por isso, alegando problemas de segurança, o governo adiou a votação em seis semanas, de 14 de fevereiro para 28 de março, o que a especialista entendeu como "um esforço flagrante do presidente Goodluck Jonathan e seus ministros de controlar o resultado das eleições". Durante esse período, o presidente Jonathan, com o apoio de aliados regionais, ordenou uma ofensiva massiva contra o Boko Haram. "Apesar do ceticismo, de minha parte inclusive, é inegável que a Nigéria e seis aliados regionais melhoraram significantemente a segurança no norte do país. Seis semanas atrás, o Boko Haram ocupava, dependendo da fonte, entre 14 e 20 áreas de governos locais em três estados do norte, uma árae maior que a Bélgica. Hoje, eles ocupam quatro áreas. A segurança com relação à insurgência melhorou dramaticamente", diz Pham.

Na frente política, o governo de Jonathan ganhou uma nova narrativa. "Há seis semanas, a oposição acusava o governo de incompetência ao lidar com os insurgentes. Agora, a oposição diz que podia ter feito melhor. Há uma diferente qualitativa entre dizer que os que estão no poder são incompetentes e dizer que você poderia fazer melhor. Então, dessa forma, o governo mudou a narrativa da eleição. Se isso é suficiente para vencer, só saberemos após a votação."

* Uma versão desse texto foi publicada na edição impressa de 28/03/2015

Foto: Reuters

 

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