Cuba é um Estado autoritário no qual o Partido Comunista (PC) é constitucionalmente o único partido legal e "a força superior de liderança da sociedade e do Estado". Bem, a República do Povo da China é um Estado autoritário no qual o Partido Comunista chinês (PCC) é constitucionalmente a autoridade suprema. Cuba é liderada por Raul Castro, primeiro secretário do PC e comandante chefe das forças de segurança. Na China, Xi Jinping é o secretário geral do PCC e presidente da Comissão Central Militar.
As descrições acima estão no mesmo relatório do Departamento de Estado dos EUA, publicado no ano passado, sobre a situação dos direitos humanos no mundo e constam no primeiro parágrafo das seções sobre Cuba e China.
Tortura, trabalho forçado, prisões psiquiátricas e a doação compulsória de órgãos
Em Cuba presos são mantidos em prisões lotadas, escuras e abafadas, com instalações sanitárias ou serviços médicos "inadequados", onde dissidentes, ativistas pró-democracia e presos em geral dormem no chão de concreto ou em colchões "finos, infestados de insetos e vermes". São sujeitos à intimidação e, às vezes, a agressões físicas. Na China, há tudo isso e "numerosos ex-prisioneiros relataram ter sido surrados, sujeitos a choques elétricos, forçados a sentar-se sobre fezes, privados de sono, entre outras formas de abusos físicos e psicológicos". Confissões são arrancadas por tortura de presos amarrados de cabeça para baixo por dias, continua o relatório sobre China. Condenados são enviados a campos de trabalho forçado e há "relatos generalizados de presos políticos mantidos em instalações de saúde mental e involuntariamente submetidos a tratamento psiquiátrico".
O Ministério da Segurança Nacional chinês administra diretamente 24 dessas instalações, chamadas de ankang, onde mais de 40 mil pessoas foram internadas desde 1998, entre elas, ativistas pró-democracia, religiosos, integrantes do banido Partido da Democracia, e cidadãos comuns que ousaram registrar petições contra o governo. Seus parentes recebem tratamento "particularmente duro", revela o relatório dos EUA. O Ministério da Saúde de Pequim prometera acabar até 2017 com a prática, admitida publicamente pelas autoridades, de "tirar órgãos humanos de condenados à morte para transplante", o que significa que o ritual macabro continua. Está tudo no relatório dos EUA.
De fato, a situação dos direitos humanos não é boa em Cuba, mas a China comunista parece realmente superar a ilha de Fidel nesse quesito. E a Casa Branca sabe bem disso.
Em Cuba, há 57,3 mil presos, alguns mantidos em isolamento, outros em campos de trabalho forçado e há adolescentes em instalações de segurança máxima. Outros três mil estão presos sem julgamento por "periculosidade potencial" (já imaginou se isso pega no Brasil?). Já a China não divulga o número de presos no país. Mas o relatório do Departamento de Estado americano cita um documento do Ministério da Justiça que revela haver 1,6 milhão de presos em 681 centros de detenção chineses. Segundo o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, ONG britânica ligada à Universidade de Essex, outros 650 mil presos aguardavam sentença e entre 100 mil e 260 mil estavam detidos sem julgamento em prisões na China, onde "crianças são mantidas com presos adultos e obrigadas a trabalhar".
Em Cuba, não houve em 2012, ano em que os dados do relatório foram levantados, registros "de que o governo ou seus agentes cometeram execuções arbitrárias" ou "de desaparecimentos políticos", embora tenham havido no passado. Na China, "as forças de segurança cometeram execuções arbitrárias" às centenas e são frequentes os assassinatos sob a custódia do Estado, o que naquele ano incluiu um menino muçulmano de 11 anos, preso por frequentar uma escola islâmica e espancado até a morte. Ativistas, religiosos, dissidentes e opositores desapareceram sem deixar rastros, diz o relatório, muitas vezes levados sob a acusação de revelar segredos de Estado, embora a definição seja pobre.
Em Cuba e na China toda a mídia é controlada pelo governo e usada como propaganda oficial, não há imprensa livre e a Internet é censurada. A Cuba dos Castro tem "pouca tolerância a críticas" e faz uso frequente de prisões de curto prazo (horas ou dias) para evitar protestos e o debate público é "limitado". Na China, críticas aos líderes do governo são proibidas por lei e a distribuição de propaganda antigoverno prevê penas de 3 meses a 15 anos de prisão. O relatório aponta ainda, sobre a China: a intervenção na vida privada, como o ainda forte controle de natalidade, que envolve abortos forçados; a ausência de direitos trabalhistas e a corrupção endêmica.
Ao todo, os abusos e crimes cometidos pelo governo comunista chinês ocupam 159 páginas do relatório do Departamento de Estado americano; os do regime dos Castro ocupam 29 páginas.
O maior credor dos EUA
Os cubanos não vivem a democracia desejada pelos americanos; tampouco os chineses. Cuba mantém relações próximas com arqui-inimigos dos EUA, como Venezuela; a China, com Coreia do Norte, Irã, Síria.
Mas, há uma grande diferença entre eles. Enquanto o embargo a Cuba persiste, a China se tornou o maior credor da dívida externa americana. Dos cerca de US$ 14 trilhões da dívida americana, algo como US$ 5 trilhões são devidos a investidores estrangeiros, o maior aporte à China, com US$ 1,16 trilhão.
Cuba, é verdade, não fez as reformas de mercado que fez a China. Os primeiros passos, ainda tímidos, nesse sentido foram dados muito recentemente após a aposentadoria de Fidel Castro. O irmão e sucessor, Raúl Castro, adotou o que chama de "atualização do modelo econômico".
Na China, as reformas começaram logo após a morte de Mao Tse Tung em 1976. Nos início dos anos 1980, o governo acabou com as cooperativas agrícolas e permitiu negócios privados, abrindo o mercado para estrangeiros nas décadas seguintes. Mas a reforma política jamais acompanhou a econômica. O Partido Comunista da China continua tão poderoso, autoritário e violador quanto antes. Combate brutalmente qualquer sinal de oposição e manda dissidentes para campos de trabalho forçado, interna-os em prisões psiquiátricas ou simplesmente os executa. A China é um dos cinco países com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, poder este que usa para bloquear sanções contra os governos mais corruptos, autoritários e sanguinários o mundo. Entrou para a Organização Mundial de Comércio, mas mantém relações comerciais tensas com um enorme superávit comercial, desrespeito a patentes e a pirataria de mercadorias.
É como diz um amigo, empresário paulistano: "A China continua tão comunista e autoritária quanto antes. E nada me tira da cabeça que está usando as armas do capitalismo para matar o próprio capitalismo."
Leia mais:
Brasil financia mais US$ 290 milhões para Cuba ativar seu principal porto
'Embargo dos EUA é injusto', afirma Dilma
*
Foto: Stephen Crowley/The New York Times