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A crise derrubou Sarkozy? Não é simples assim

Por andreinetto
Atualização:

Já se tornou um clichê no meio jornalístico: a cada novo líder escolhido em países da União Europeia, faz-se um traço a mais na parede, contando o número de "vítimas da crise". As contas incluem Gordon Brown, Silvio Berlusconi, José Luis Rodriguez Zapatero, mas podem chegar a uma dezena de nomes. É começar a contar os derrotados em campanhas eleitorais a partir de 2008, quando da implosão do Lehman Brothers, e chegaremos ao número de chefes de Estado e de governo que "não resistiram" na Europa. Certo? Errado.

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Tomemos o exemplo mais recente: Nicolas Sarkozy. Segundo essa visão simplista, o chefe de Estado seria mais um a ser derrubado pela má performance econômica da UE ao ceder lugar a François Hollande, vitorioso com 51,62% dos votos.

Mas não é simples assim. Na França e em boa parte da Europa, Sarkozy era não raro visto como um dos pilares da estabilidade do país, que ainda resiste à crise das dívidas soberanas. Sua campanha eleitoral era baseada no argumento do "capitão" que, determinado, conduz sua tripulação na travessia da tempestade. E, creia, era um argumento que funcionava. Muitos eleitores temiam - e por certo ainda temem - a eventual gestão de crise de Hollande.

O baixo crescimento e sua política de austeridade estão entre as explicações da derrota, é claro. Mas há muitas outras razões para seu fracasso histórico em 6 de maio. Ao decidir não reconduzi-lo ao Palácio do Eliseu, a população francesa tomou uma decisão inédita em 30 anos por recusar um estilo de fazer política. Sarkozy era mal-amado, impopular. Sua personalidade hiperativa e midiática contrastava com a sacralidade com que os franceses veem a posição de presidente da república. Suas extravagâncias, seu relógio Philippe Patek de EUR 55 mil, suas férias em iates de milionários, seus jantares em restaurantes caríssimos, seus escândalos de financiamento ilegal de campanha - todo esse protagonismo que o dinheiro teve entre 2007 e 2012 não fecha com a cultura dos franceses, que prezam a igualdade.

Tampouco seu discurso beligerante, seus rompantes de extremismo de direita, sua demagogia contra muçulmanos, contra imigrantes e seus descendentes tem a ver com a ideia de solidariedade. E, diria por fim, sua interferência na Justiça e na mídia, sua relação carnal com a polícia e sua estranha intimidade com os serviços secretos não tem a ver com liberdade.

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Em seu mandato, Sarkozy vilipendiou valores que a França cultua há mais de 200 anos. Se 48% dos franceses não se importam, a maioria deu mostras de que ainda preza os valores da república. Sarkozy não é só uma vítima da crise. É, sobretudo, vítima de si mesmo.

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