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Hollande: sem estado de graça, em estado de alerta

Meteorologia na posse foi o menor dos problemas do novo presidente de uma França estagnada e líder de uma Europa em crise

Por andreinetto
Atualização:

É quase um jargão no mundo da política afirmar que após a posse todo novo governante pode contar com um "estado de graça", um momento de encantamento com a opinião pública e com líderes estrangeiros. Pois bem, esse não será o caso do socialista que colocou Nicolas Sarkozy para fora do Palácio do Eliseu na manhã de ontem. François Hollande assumiu o poder na França abaixo de mau tempo - e não se trata de meteorologia. Muito além dos banhos de chuva e de granizo sob um frio de 6oC que ele enfrentou, por sua própria escolha, está a intempérie que o novo chefe de Estado terá de encarar nas primeiras semanas de seu governo.

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Antes mesmo de assumir, às 10h, Hollande recebera uma péssima notícia da parte do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (INSEE), o IBGE local: a França estagnou ao longo dos três primeiros meses, registrando um rigoroso 0% de crescimento em 2012. O porcentual, que fala por si, se soma ao índice do período anterior, o quarto trimestre de 2011, quando a economia teve direito a um pífio 0,1% de performance. Para o conjunto do ano, a perspectiva da Comissão Europeia, anunciada hoje em Bruxelas, é de 0,5% de incremento do Produto Interno Bruto (PIB) - insuficiente até para cobrir o avanço da dívida pública, apesar da extensão do programa de austeridade. O preocupante é que o futuro também não aparece radiante. Em lugar de 1,7% em 2013, o prognóstico agora é de 1,3%.

No dia de sua coroação, os problemas seguiram se acumulando durante a posse. De Atenas veio a notícia de que os três principais partidos do país não chegaram a um acordo para a formação de um governo de coalizão que permitisse a gestão de crise pela Grécia. Com Lucas Papademos como primeiro-ministro biônico, colocado no cargo por pressão internacional, Bruxelas tinha ao menos o controle remoto para monitorar a implantação das medidas de rigor no país. Com a convocação de novas eleições para o meio de junho, a Grécia afunda no desconhecido sem piloto, e leva consigo a Europa. Nem a oratória de Jean-Claude Juncker, chairman do fórum de ministros de Finanças, em favor da permanência do país na zona do euro garante a continuidade de Atenas na União Europeia.

O terceiro problema de Hollande no dia de sua posse foi a visita à Alemanha. Muito mais grave que o raio que atingiu o avião presidencial era a expressão da chanceler Angela Merkel ao recebê-lo em Berlim. França e Alemanha são muito mais do que os motores, são a razão de ser da União Europeia. Sem um bom entendimento, o que Hollande e Merkel não têm - pelo menos até aqui -, a integração não avança. E, se não avançar, é o fim da linha. Os melhores economistas da Europa concordam que, sem governança comum, com políticas fiscais e de desenvolvimento coordenadas, o euro não resistirá no futuro, mesmo que atravesse a crise atual.

Eis então os três mais imediatos desafios no campo econômico da gestão Hollande - todos urgentes: (1) relançar a economia da França, sem abrir mão da responsabilidade fiscal; (2) pressionar os mais relapsos do bloco, os gregos, a respeitar os contratos - o que nem Merkel até aqui conseguiu; e (3) arrancar dos mais austeros, os alemães, um mínimo de flexibilidade para relançar os investimentos públicos, dando um toque de keynesianismo a uma União Europeia cansada do rigor excessivo e sufocante. Sem experiência administrativa e liderando um Partido Socialista (PS) afastado do poder há 17 anos, Hollande não conta com um estado de graça; ele enfrenta um estado de alerta.

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