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Ocidente e árabes armaram grupos que atacaram a embaixada dos EUA

Por andreinetto
Atualização:

PARIS

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Na terça-feira, 15 de março de 2011, o embaixador da França nas Nações Unidas, Gérard Araud, entrou em contato com a embaixadora americana, Susan Rice. Na conversa, o diplomata francês informou a disposição do governo de Nicolas Sarkozy de partir ao ataque contra as forças de Muamar Kadafi, que então ameaçavam retomar pela força a cidade de Benghazi, o epicentro da revolução na Líbia, que explodira em rebelião quase um mês antes.

O receio de Washington era de que um eventual ataque de uma coalizão de países do Ocidente e do Golfo Pérsico transformasse a Líbia e um terceiro front americano na região, após o Afeganistão e o Iraque. No diálogo com Araud, Susan ouviu os argumentos do francês sobre a necessidade dos Estados Unidos mergulharem na ofensiva militar. Então respondeu: "Not even in your dreams" - "Nem em sonhos".

Araud comunicou-lhe que a França apresentaria "in blue" - sem direito a emendas - o texto da resolução 1973, prevendo a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia e o consequente ataque ao país. Na mesma noite, após horas de reunião entre o presidente Barack Obama e 20 parlamentares na Casa Branca, Susan Rice telefonou ao chefe da missão francesa e afirmou: "Nós estamos dentro".

Assim diferentes fontes do Conselho de Segurança das Nações Unidas relataram ao Estado como os Estados Unidos mergulharam na ofensiva militar contra o coronel Muamar Kadafi - o Osama Bin Laden dos anos 1980. Como o mundo descobriria nos 60 dias que se seguiriam, a no fly zone, os ataques aéreos e os bombardeios à fortaleza de Bab al-Azizia não seriam suficientes para derrubar o "guia" e encerrar seus 41 anos de regime. A solução encontrada então por países como Catar, Emirados Árabes Unidos, Sudão, França, Reino Unido e Estados Unidos foi fornecer armas a grupos revolucionários, primeiro em Benghazi, no leste, depois em Zintan, no oeste do país. Em 20 de outubro de 2011, esse esforço militar resultaria na morte violenta do ditador em Sirte, frente às câmeras de cinegrafistas amadores.

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Entre os grupos que receberam armas para lutar contra Kadafi - em especial dos países do Golfo Pérsico, mas também do Ocidente - estavam milícias extremistas islâmicas. Massacradas nas urnas na primeira eleição livre do país, em julho, que pôs os moderados no poder e revelou um alto grau de tolerância e de abertura política da maior parte da população da Líbia, esses grupos agora se valem de seu poderio bélico para impor sua visão de mundo. Essa visão é minoritária, mas perigosa, violenta e ameaça a segurança nacional da Líbia. Ela traz os velhos tabus islâmicos e o antiamericanismo, como prova o ataque ao consulado dos Estados Unidos que resultou na morte do embaixador Christopher Stevens na terça-feira.

Além do impacto social e político na Líbia, o ataque extremista à embaixada dos Estados Unidos terá enorme repercussão regional, em especial no que diz respeito à Primavera Árabe. Se os rebeldes da Síria ainda esperavam receber armas do Ocidente - como recebem dos países do Golfo -, essa esperança agora se transformou em cinzas.

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