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Os Hermanos

Bergoglio, o jesuíta leitor de Dostoyevski (o pontífice Francisco, ex-técnico químico, também é leitor de Borges)

Por arielpalacios
Atualização:

Low profile e direto, novo papa - que até ser o novo pontífice pegava metrô em Buenos Aires - é portenho do bairro de Flores, leitor de Dostoyevski, fã de Jorge Luis Borges e torcedor do time San Lorenzo de Almagro

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"Low profile", "calado", "sóbrio" e "frugal" são alguns dos adjetivos usados por seus mais fiéis colaboradores. Seus inimigos, no entanto, preferem defini-lo como "calculista", "frio", "traiçoeiro" e "autoritário". Mas, para a maioria dos argentinos, o cardeal Jorge Mario Bergoglio era simplesmente um mistério. No entanto, em 2005 ele saiu de seu semi-anonimato para virar um dos homens mais comentados do país, já que o arcebispo portenho passou a ser um dos papáveis da América Latina. Mas, na ocasião Bergoglio ficou em segundo lugar, com 40 votos, sendo superado por Joseph Ratzinger, que foi entronizado Bento XVI.

Nos últimos anos, antes de deixar de ser primaz da Argentina, Bergoglio sofreu um duro revés político quando o Parlamento argentino aprovou um projeto de lei do Partido Socialista (mas respaldado pelo governo da peronista Cristina Kirchner) de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Bergoglio, na véspera da votação, deixou de lado seu estilo sóbrio e, perdendo as estribeiras de uma forma ostensiva (o conservador jornal "La Nación" até criticou o ato do cardeal) desferiu um furioso sermão contra o projeto, que foi aprovado com ampla maioria. Muitos integrantes do clero acharam que esta derrota implicaria na perda de pontos como "papável" em um seguinte conclave.

Ontem (quarta-feira), ao tornar-se Francisco I, Bergoglio, além de se tornar o primeiro latino-americano (e habitante de todas as Américas) a ocupar o trono de São Pedro, também quebrou a restrição - implícita - de que um jesuíta seja transformado em papa. Desde que foi criada, há quase cinco séculos, a outrora poderosa Companhia de Jesus jamais conseguiu que um representante chegasse a líder da Igreja Católica, principalmente pela oposição de outras congregações que temiam seu crescimento.

Homem afável, mas de poucas - embora certeiras - palavras, o ex-primaz da Argentina sempre fez questão de manter um profundo silêncio sobre sua vida.

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Aqueles que o conhecem bem sustentam que só mostra intensa paixão quando fala de Fiodor Dostoyevski, seu escritor preferido. "É um jesuíta até a medula. Ele fala pouco. Ouve o dobro do que fala. E pensa o triplo do que ouve", me disse em 2005 um ex-embaixador argentino em Roma, que completa dizendo que jamais desejaria ter Bergoglio como inimigo. Com ironia, explica: "Quem vive, como Bergoglio, só à base de frango cozido e verduras, só pode ser um cara perigoso".

Fiódor Dostoyevski, escritor russo, é o autor preferido do novo papa.

Filho de imigrantes italianos (seu pai era ferroviário e sua mãe, dona de casa), Bergoglio nasceu no dia 17 de dezembro de 1936 no bairro de classe média de Flores, em Buenos Aires.

Desde criança, foi torcedor fanático do time de San Lorenzo, fundado por um padre no início do século. Mas nunca pôde aspirar a jogar futebol além da praça do bairro. Seu físico, quando adolescente, era franzino. Aos 20 anos, passou por uma grave operação para a retirada de um de seus pulmões.

Após se formar como técnico químico e encerrar o namoro com uma vizinha, Bergoglio entrou para a Companhia de Jesus, ordem caracterizada por sua obediência e disciplina ascética que historiadores preferem definir como militar.

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Ordenado sacerdote aos 33 anos, aos 36 já era o comandante dos jesuítas na Argentina. Nos anos que se seguiram - as décadas de 1970 e 1980 -, paira uma nebulosa sobre a vida de Bergoglio. O jornalista investigativo argentino Horacio Verbitsky, do jornal "Página 12", sustenta que ele colaborou ativamente com a última ditadura (1976-83), delatando os jovens sacerdotes, que foram seqüestrados pelos militares.

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Nos anos 80, Bergoglio migrou ao setor mais conservador da Companhia de Jesus e passou por um obscuro ostracismo na Alemanha. Ao voltar à Argentina, foi posto em cargos de baixa importância. Esse período só terminou quando, em 1992, o poderoso cardeal Antonio Quarracino o convocou para ser seu bispo auxiliar em Buenos Aires. "É um jesuíta sereno e preciso. Ele tem uma capacidade e uma velocidade mental fora do comum", comentou.

O salto internacional de Bergoglio ocorreu em 2001, quando ocupou o posto de relator-geral do Sínodo dos Bispos em Roma. Bergoglio é idolatrado pelo clero jovem e, até poucos anos atrás, só se deslocava pela cidade em metrô ou ônibus. Seus admiradores afirmam que o fazia "para estar perto do povo". Os críticos sustentam que era "puro populismo".

Os parlamentares da esquerda, que se confrontaram com freqüência com Bergoglio por questões como a legalização do aborto, o definem como "o pior dos inimigos, porque é um inimigo muito inteligente". No entanto, o cardeal também os desconcerta ao realizar furiosos ataques contra o neoliberalismo.

Esta é a segunda vez que a Argentina conta com um papável. O anterior foi o arcebispo de Mar del Plata, cardeal Eduardo Pironio, morto em 1996, que nos dois conclaves de 1978 despontava como o principal papável sul-americano.

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METRÔ - No ano 2001 participei de um café da manhã com o então cardeal Bergoglio na sede de uma ONG em Buenos Aires para uma conversa em estrito off. Éramos oito jornalistas estrangeiros reunidos com o primaz da Argentina. O papo durou duas horas. Bergoglio foi cordial e expôs sua visão sobre a crise econômica que assolava o país. Tomou café com leite e comeu uma "medialuna de grasa". Foi meu primeiro encontro com o clérigo.

Seis anos depois, em uma manhã de sábado, minha mulher e eu caminhávamos por uma rua do bairro de Monserrat quando repentinamente, ao virar a esquina, vimos o cardeal. Vestindo o clergyman, Bergoglio caminhava sozinho, carregando uma valise.

O cumprimentamos e conversamos durante um quarteirão e meio. Bergoglio se despediu de nós amavalmente e entrou na estação do metrô Moreno, na avenida Nueve de Julio. O futuro papa pegaria uma das mais congestionadas linhas do "subte" de Buenos Aires.

ATEUS ULTRAPASSAM CATÓLICOS PRATICANTES NA ARGENTINA

Segundo pesquisas realizadas em 2009 e 2011, 76% dos argentinos foram originalmente batizados católicos. Mas, apenas 6% são praticantes. Enquanto isso, a totalidade das igrejas evangélicas na Argentina não reúne mais de 10% da população. Mas, ao contrário dos católicos, o grupo evangélico é totalmente praticante. Os evangélicos argentinos não possuem uma bancada que os represente no Parlamento, e sequer contam com redes de televisão.

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Os ateus, no entanto, segundo a pesquisa, ultrapassam católicos e evangélicos praticantes, representando 11,3% da população.

O país conta com a maior comunidade judaica da América Latina - calculada entre 300 mil e 500 mil pessoas - além de uma presença muçulmana (estimada em 500 mil pessoas) nas províncias do norte e noroeste.

CRISTINA PRIVILEGIOU IGREJA CATÓLICA COM LEI DE MÍDIA

A Lei de Midia, aprovada em 2009 pelo Parlamento argentino, implicou em grandes benefícios para a Igreja Católica argentina. Menina dos olhos da presidente Cristina Kirchner - e principal aríete na batalha de seu governo contra o Grupo Clarín - a lei determina em seu artigo número 37 que a Igreja Católica equipara-se aos privilégios que somente serão ostentados pelo Estado argentino e as Universidades federais: apenas estas três entidades poderão estar presentes em todo o território nacional.

As empresas privadas terão que resignar-se a operar em uma área restrita a apenas 24 municípios. O país é laico...mas a Igreja Católica será a única entidade religiosa que terá direito a canais de TV e e estações de rádio sem necessidade de autorizações prévias ou licitações.

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Esse ponto gerou grande irritação entre os evangélicos deste país, além de outros grupos religiosos da sociedade argentina, que consideram que são discriminados pelo governo Kirchner.

Oficialmente, a Argentina possui um Estado laico, embora a presidente Cristina Kirchner cite Deus com freqüência e o marido defunto (sempre) em seus discursos.

A decisão do governo de privilegiar a Igreja na Lei de Mídia constrange os militantes kirchneristas. O próprio Martín Sabbatella, diretor da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação (Afsca), além de deputados, evitam falar sobre o assunto.

Coincidentemente, a alta hierarquia do clero em Buenos Aires - que havia desferido duras críticas contra os Kirchners durante vários anos - desde a aprovação da lei de mídia, embora pronuncie alguma eventual crítica, manteve um perfil mais baixo e evitou participar das controvérsias sobre a norma que limitará a atuação das empresas privadas na área de jornalismo.

E já que o papa é portenho, aqui vai um tango com temática religiosa. Na realidade, ironicamente religiosa, já que o protagonista aproveita a missa das onze para flertar com uma bela cordeiro de Deus: "Misa de once" (Missa das onze), com Carlos Gardel.

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E hoje, quinta-feira dia 14, lanço meu livro "Os Argentinos" em Brasília upon-the-Paranoá! E neste embalo vaticanista, destaco que o livro - que é um "manual" sobre a Argentina e os argentinos - tem uma parte que explica a posição da Igreja Católica na Argentina. E também uma parte na qual conto sobre o dia em que o papa (há 100 anos) abençoou o tango.

 
 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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