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Os Hermanos

De Campos Salles a Dilma Rousseff: 111 anos de visitas presidenciais brasileiras na Argentina

 

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Por arielpalacios
Atualização:

Do Riachuelo ao Aerolula: O encouraçado brasileiro "Riachuelo", que transportou Campos Salles do Rio até Buenos Aires. O navio de guerro aparece "estacionado" em Puerto Madero. Na época, os cais haviam sido recém-inaugurados. Um século depois a mesma área seria o point de restaurantes, atualmente entupidos de turistas.

Nesta segunda-feira - longe de Puerto Madero e dos encouraçados de antanho - quando a presidente Dilma Rousseff desembarque do avião presidencial Santos Dumont em Buenos Aires, será do outro lado da cidade, na base aérea do Aeroparque Jorge Newbery, o aeroporto metropolitano portenho.

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Campos Salles colocava seus pés em Buenos Aires para retribuir uma visita feita pouco mais de um ano antes, em agosto de 1899, pelo presidente argentino Julio Roca ao Rio de Janeiro. À beira da Bahia de Guanabara, Roca teria dito uma frase histórica, "tudo nos une, nada nos separa".

A frase, no entanto, é uma daquelas que se encaixam na categoria de 'se non è vero, è ben trovato', já que ela seria pronunciada nesse exato formato em 1910, pelo então presidente eleito da Argentina, Roque Sáenz Peña, durante sua visita ao Rio de Janeiro. "Hoje em dia essa afirmação pode parecer banal. Mas na época, foi revolucionária", me disse o ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires, Luiz Felipe de Seixas Correa.

Roca também deixou para os registros históricos uma categórica afirmação (esta, de cunho próprio): "o Brasil e a Argentina devem unir-se por laços da mais íntima amizade, porque juntos serão ricos, fortes, poderosos e livres".

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Com esta visita, o Brasil, depois de 67 anos de monarquia, desejava "republicanizar" sua política externa, atenuando os vínculos com as coroas europeias e privilegiando o espaço sul-americano. 

Campos Salles permaneceu em Buenos Aires durante uma semana com atividades que incluíram idas à Ópera, ao Hipódromo e diversas recepções com bailes. A ocasião foi tão especial que os dois presidentes foram os protagonistas do primeiro filme rodado na Argentina.

O cinegrafista Eugenio Py gravou as imagens dos dois presidentes conversando em uma escadaria em um palacete portenho. 

Chegada de Campos Salles até virou motivo de cartão postal na época da visita. Postal mostra multidão e arco do triunfo no porto.

Depois de Campos Salles passaram várias décadas sem visitas presidenciais brasileiras. Foi necessário esperar até 1935, quando chegou à Buenos Aires o presidente Getúlio Vargas, que aqui reuniu-se com o presidente e general Augustín Justo. Na ocasião, foram assinados 12 acordos bilaterais.

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O arquivo da Chancelaria argentina mostra vários dados curiosos sobre a visita de Vargas ao país. Um deles, o desespero da Chancelaria local pela lerdeza da Embaixada argentina no Rio de Janeiro em enviar os dados e fotografias do presidente Vargas para fazer o livro de luxo que celebraria a visita.

Outra peculiaridade teve a pianista Guiomar Novaes como foco, já que o governo brasileiro, a último momento, queria colocá-la de qualquer forma na programação cultural da visita de Vargas à BuenosAires. Depois de fortes pressões brasileiras os argentinos deram um jeito e finalmente conseguiram um buraco na agenda das festividades para que ela tocasse no Teatro Cervantes.

O general e presidente Justo à esquerda. À direita, Getúlio Vargas.

Desde os anos 80 o Palácio Pereda é a residência do embaixador brasileiro. A parte administrativa construída nos anos 80, está perto dali, virando o quarteirão, na rua Cerrito.

Segundo a escritura dos tabeliões Juan e José Toribio, em troca do palácio o governo brasileiro cedeu à família Pereda o prédio da Avenida Callao 1555, até então a embaixada do Brasil, junto com 4 mil toneladas de minério de ferro.

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O edifício neo-clássico da sede diplomática localiza-se na frente da Praça Carlos Pellegrini, diante do Jockey Club, quase ao lado da refinada Embaixada da França. Erroneamente, a maioria das pessoas consideram que o palácio está no elegante bairro da Recoleta. Mas, esta começa a três quadras dali. Oficialmente, o palácio está no bairro de Retiro. 

Dutra, acompanhado por Evita Perón. Atrás da primeira-dama argentina, a "Mãe dos pobres", está a silhueta do general e presidente Juan Domingo Perón.

O trecho da metade da ponte correspondente à Argentina foi inaugurada com o nome de Agustín Justo, ditador da Argentina nos anos 30. Do lado brasileiro, teve o nome do ditador Getúlio Vargas (na época, Vargas somente havia sido ditador; ele ainda não havia sido eleito democraticamente presidente, tal como aconteceria em 1950).

Em abril de 1961 seria realizado o seguinte encontro, também na divisa dos dois países, entre os presidentes Arturo Frondizi e Jânio Quadros. No encontro, os presidentes tiveram opiniões diferentes sobre o contexto regional (a crise de Cuba, a posição perante os EUA) e internacional (a eventual aproximação aos países africanos que começavam a independizar-se e aos países comunistas da Ásia). Mas, assinaram um importante acordo de amizade e consulta. Quadros, que duraria poucos meses no poder, até especulou com Frondizi retirar as tropas brasileiras da área da fronteira com a Argentina, localizadas especialmente no Rio Grande do Sul, e deslocá-las mais para o interior. 

Sorridentes, mas por curto tempo (e por problemas internos): Jânio e Frondizi, na fronteira, no dia 21 de abril de 1961. Jânio duraria quatro meses no poder. Frondizi, 11 meses, antes de ser derrubado pelos militares.

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De quebra, foi homenageado no estádio do San Lorenzo, time pelo qual Figueiredo havia torcido, quando adolescente, durante o exílio de seu pai, o general Euclides Figueiredo, em Buenos Aires nos anos 30 (o general havia sido exilado pelo governo Vargas por ter participado da revoluçào constitucionalista de 1932).

A visita teve grande impacto, pois foi a terceira viagem de um presidente brasileiro à Argentina em todo o período republicano (os encontros Perón-Dutra e Frondizi-Quadros foram literalmente na fronteira). Videla retribuiu a visita no mesmo ano, indo à Brasília. 

Black-tie: Os generais Videla e Figueiredo com suas respectivas primeiras-damas. Figueiredo ganhou cavalo de presente ao visitar Buenos Aires.

Os dois presidentes assinaram a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear. Alfonsín, simbolicamente, visitou Itaipu, que nos dez anos anteriores havia sido a nêmesis para a Argentina.

Em julho de 1986, o presidente brasileiro foi à Argentina. Na ocasião, Alfonsín deu um inesperado gesto de confiança ao receber Sarney e abrir-lhes as portas das instalações atômicas argentinas. Os dois presidentes tornaram-se grandes amigos dali para frente. Eles costumaram realizar visitas mútuas mesmo após terem concluído suas presidências. É o único caso de uma amizade sólida entre presidentes do Brasil e da Argentina que perdurou mesmo após seus períodos de governo. Quando Alfonsín faleceu, em 2009, Sarney foi o único orador estrangeiro a ter a honraria de discursar no enterro.

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As cataratas do Iguaçu fazem pose enquanto Sarney e Alfonsín ficam na frente. Foto de 1985 de Victor Bugge, fotógrafo histórico da presidência da República Argentina.

FHC continuou visitando Buenos Aires nos anos seguintes ao fim de seu mandato para dar conferências. O ex-presidente continuou tendo tratamento de super-star na mídia e na intelectualidade portenha.

Kirchner, na época em que era presidente; Cristina, nos tempos em que era primeira-dama. E Lula, em seu segundo mandato.

Na seqüência, o anfitrião passou a ser Néstor Kirchner, que tornou-se presidente em maio de 2003. Lula o visitou várias vezes. A partir de dezembro de 2007, os Kirchners continuaram no poder, mas por intermédio da esposa de Néstor, Cristina, que combinou dois encontros presidenciais por semestre com Lula.

O temperamental Kirchner oscilou entre períodos de idílio e de turbulências com Lula. O presidente brasileiro foi pego de supresa várias vezes pelas guinadas drásticas de Kirchner, especialmente as inesperadas medidas protecionistas para - atendendo os pedidos das indústrias nacionais - prevenir as alardeadas - e hipotéticas - "invasões de produtos" Made in Brazil no mercado argentino.

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Desta forma, nem todas as ocasiões de visitas de Lula à Buenos Aires e outras cidades argentinas (especialmente para cúpulas do Mercosul) puderam ser definidas de "prazenteiras". A tensão prevaleceu durante a administração de Néstor Kirchner.

Já com Cristina Kirchner, as cúpulas mantiveram um clima relativamente mais pacífico. Cristina costumava elogiar o empresariado brasileiro, como modelo a ser seguido pela Argentina.

Em todas suas visitas Lula causou frisson na esquerda argentina e exclamações de admiração no establishment portenho. No entanto, o frisson da esquerda foi uma sensação que diminuiu com o passar dos anos, já que setores da esquerda local foram decepcionando-se com a guinada para o centro (ou centro-direita, segundo alguns) do ex-torneiro mecânico. O wishful thinking de que Lula ainda supostamente permanecia - no fundo do coração - um homem socialista, consolava diversos setores progressistas argentinos. Diversas pesquisas, ao longo dos anos, indicaram que se um presidente estrangeiro pudesse ser candidato a presidente na Argentina, Lula venceria outros políticos do exterior, além dos próprios candidatos argentinos.

Pão de queijo, o quitute da divergência.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

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