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Os Hermanos

Em Lisboa chateie o Camões, em Buenos Aires, vá cantar ao Gardel! Quem disse isso? Alguém com poucas pulgas, ora!

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Por arielpalacios
Atualização:

De Gardel a Camões, uma Pulex irritans incomoda muita gente. Muitas Pulex irritans incomodam muito mais.  Ilustração de uma pulga no livro "Micrographia", do físico, biólogo, geólogo e arquiteto inglês Robert Hooke (1635-1703).

A frase é muito usada no contexto de incredulidade da pessoa "A", que considera inverossímil (ou insuportável) algum comentário da pessoa "B". Por isso, "A!" diz a "B" que vá cantar para o famoso intérprete de "Anclao en Paris" e "Mi Buenos Aires querido" (além do divertido fox trot "Rubias de New York").

Gardel, Carlos. O emblemático cantor de tangos. Ele morreu em 1935. Mas, seus admiradores afirmam que "Gardel cada día canta mejor" (Gardel cada dia canta melhor).

Falando em Trapobana, o "andá a cantarle a Gardel..." equivaleria (se alguém dissesse algo assim) a "vá para a Taprobana cantar um fado à Amália Rodrigues e aproveite e cate coquinho na ladeira do Chiado quando desce para o Rossio", ou ainda o "vá para a Bessarábia" (anos 50 e 60, usado no Brasil). Ou o clássico dos clássicos, "vá para a Cochinchina", isto é, quando se expressa o desejo de que o interlocutor visite as terras outrora colonizadas pela França e que agora ocupam as áreas meridionais do Vietnã e do Cambodja.

Dentro do círculo vermelho a tão famosa Cochinchina, para onde foram enviadas tantas pessoas ao longo de décadas!

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Outras expressões que expressam que o interlocutor rume para algum lugar específico possuem cargas agressivas mais elevadas.

É o caso do insulto de convite imperativo "Andá a la puta que te parió!" (equivalente em 100% ao "Vai para a puta que te pariu" aplicado cotidianamente no Brasil e outras terras luso-falantes). Este carece da ironia utilizada no "Andá a cantarle a Gardel".

O "Andá a la puta que te parió" pode ser tonificado com um reforço não obrigatório. Desta forma, transforma-se na expressão ampliada "andá a la puta que te parió, boludo" (para mais explicações sobre o 'boludo', ver aqui).

É preciso destacar que o uso do "boludo" aqui aplicado não é uma obrigação (cara/caro leitora/leitor não sinta-se induzido ou forçado a ampliar a expressão original, pois já dizia o brilhante arquiteto Mies van der Rohe "less is more") nem é o único insulto que pode ser colocado após a vírgula. Existe uma miríade de possibilidades no universo dos epítetos. Outra alternativa é o "andá a la puta que te parió, zopenco" (zopenco equivale a "tonto" e é pouco usado atualmente... mas é sempre uma ocasião de recuperar este insulto, que pode ser encarado como 'vintage', não é?). Uma alternativa mais atual (no entanto com menos glamour) é o "andá a la puta que te parió, repelotudo". Sobre esta palavra, recorra à postagem de meses atrás sobre o "Boludo". Ali encontrará mais referências sobre o pelotudo e o repelotudo (a segunda palavra é na verdade, uma versão anabolizada da primeira palavra).

Enquanto que em Buenos Aires o insulto de convite imperativo é "vá cantar ao Gardel", em Lisboa é "vá chatear o Camões". Acima, o autor dos "Lusíadas".

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Neste caso a pessoa "A", que dirige a palavra ao interlocutor, isto é, a pessoa "B", reforça seu desejo com a palavra "pedazo" (pedaço), que especifica mais ainda o "boludo" em questão.

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Paradoxalmente, a frase fica mais sonora e enfática, embora o "pedazo de boludo" indique que não se trata de um boludo 100%, mas sim, um boludo parcial.

Isto é, segundo algumas teorias, poderia significar uma ironia, já que algumas correntes filosóficas indicam que um boludo não pode ser parcialmente boludo. Ou é boludo ou não é boludo. Eu, pessoalmente, discordo de tais posições ortodoxas e considero que podem existir boludos ma non troppo.

De quebra, o "andá..." pode ser também aplicado com uma versão inquisitiva, o "porque no te vas a la puta que te parió?". Neste caso, a pessoa "A", em vez de mandar - com o verbo no imperativo (tal como nos anteriores exemplos) - a pessoa "B" para o lugar determinado, ela opta por perguntar se por acaso não iria a esse lugar.

A pergunta é meramente retórica, já que a pessoa "A" não tem curiosidade sobre a eventual ida de "B" à "puta que te parió". É uma ironia, no fundo.

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Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969) tinha a teoria de "less is more" (menos é mais). No entanto, a arte dos epítetos (especialmente a dos convites imperativos) vai na contra-mão do autor de obras como a "poltrona Barcelona" e a "Farnsworth House" e prefere um modo mais rococó para os insultos.

"Chorra" (Ladra), um irônico relato sobre uma picareta (que por seu lado era filha de pai e mãe picareta!), aqui.

E o pouco conhecido "Micifuz", aqui.

E deixando Gardel de lado, passamos para Osvaldo Pugliese. Com sua orquestra, "Derecho Viejo". Genial Pugliese, cuja foto é levada por milhares de portenhos como "amuleto". Aqui.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

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