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Os Hermanos

Fantasma da compra de votos paira sobre governo de Cristina Kirchner

 

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Por arielpalacios
Atualização:

A corrupção tem um marco na arquitetura portenha. Trata-se do colossal edifício que nos anos 40 albergou o antigo Ministério de Obras Públicas e que atualmente é a sede da pasta de Ação Social. O prédio ostenta em uma de suas esquinas o único 'monumento à propina' conhecido no planeta. É estátua de um homem que, com pouca sutileza, coloca os dedos abertos estratégicamente para o lado, na espera de uma "molhada de mão". O arquiteto colocou a estátua como recado futuro sobre as eventuais negociatas que seriam protagonizadas no edifício. O detalhe da mão passou desapercebido durante anos.

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Duas deputadas afirmaram publicamente que foram alvos de pressões e ofertas de propinas por parte de altos funcionários do governo. As suspeitas foram reforçadas pela constatação de que - coincidentemente - doze deputados de partidos da oposição foram embora misteriosamente do plenário pouco antes da votação, fato que favoreceria o governo.

Diversos parlamentares indicaram à imprensa que haviam recebido de integrantes do governo telefonemas com pressões ou um amplo leque de ofertas que iam desde subornos explícitos a verbas para suas províncias, além de contratos.

"Houve Banelco, mas de Cristina", disparou a deputada Elisa Carrió, líder da Coalizão Cívica, de oposição, em alusão à marca de um cartão de débito bancário que tornou-se metáfora para designar o pagamento de propinas.

No entanto, a Casa Rosada não conseguiu reunir votos suficientes para aprovar o Orçamento, já que a oposição conseguiu brecar o projeto por 117 votos contra 112. Desta forma, o projeto de Cristina voltou à comissão parlamentar.

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O advogado e constitucionalista Ricardo Monner Sans - que denunciou vários escândalos de corrupção dos governos dos ex-presidentes Carlos Menem e Fernando De la Rúa - entrou ontem (sexta-feira) com uma denúncia na Justiça pela suspeita de oferta de subornos. "Integrantes do governo ofereceram de 50 mil pesos (US$ 12,5 mil) para cima. Além disso, propuseram com a frase 'o que você quiser" aos deputados para que fossem embora do plenário", disse.

Detalhe da estátua que está no edifício do Ministério da Ação Social, na avenida 9 de Julio, esquina com a 'calle' Moreno.

PRESSÕES - Uma das deputadas que denunciou as pressões da Casa Rosada, Elsa Álvarez, da União Cívica Radical (UCR), de centro, denunciou que "um alto integrante do governo" lhe telefonou insistentemente no celular, quando estava no plenário, para pedir que levantasse de sua poltrona, já que para o governo era "sumamente necessário" conseguir a aprovação do Orçamento. Álvarez declarou que dará os nomes na terça-feira.

A outra parlamentar, Cinthya Hotton, única deputada do partido de direita "Valores para meu país" - que denunciou "pressões e oferecimentos" de integrantes do governo - sustentou que apresentará à Justiça o nome das pessoas que "tentaram desviar" seu voto.

 PERNA INFLAMADA - Silvia Storni, da UCR, uma das deputadas que saiu antes da votação, explicou sua ausência com o argumento de que havia passado mal durante a sessão, pois tinha uma perna inflamada, "fato que torna difícil que fique sentada muito tempo durante as sessões da Câmara". No entanto, apesar do problema, a deputada - ao sair da sessão - fez 700 quilômetros até a província de Córdoba, onde reside. "Ehhh...vim para cá porque aqui eu tenho meu plano de saúde", disse titubeando ao canal de TV "Todo Notícias" quanto teve que explicar sua viagem.

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O presidente da UCR, Ernesto Sanz, afirmou que "pedirá explicações" aos oito deputados da UCR que foram embora do plenário antes da votação. Uma postura similar estava sendo aplicada por Federico Pinedo, chefe do bloco do Proposta Republicana (PRO), visivelmente irritado pela saída repentina de quatro de seus deputados do plenário.

O deputado Felipe Solá, do peronismo dissidente, um dos presidenciáveis da oposição, disparou críticas contra o governo, indicando que a Casa Rosada costuma comprar votos com frequência. "Quando o governo precisa conseguir a aprovação de uma lei sai de shopping pelo Congresso", disse com ironia.

"Corrupt legislation". Mural de 1896 Elihu Vedder, no hall da principal sala de leitura da Biblioteca do Congresso, no Thomas Jefferson Building, Washington, EUA. A figura central tem uma cornucópia virada para ela própria, enquanto recebe uma propina na balança da Justiça.

CORRUPÇÃO - Mais de uma centena de funcionários do governo de Néstor Kirchner e de Cristina Kirchner foram indiciados na Justiça por supostos envolvimentos em casos de corrupção nos últimos sete anos.

No entanto, em diversos casos o governo está blindado nas investigações feitas pela Justiça. Esse é o caso do processo sobre enriquecimento ilícito dos Kirchners na província de Santa Cruz, que investiga irregularidades na compra de um terreno na cidade de El Calafate em 2006. O terreno foi vendido aos Kirchners pela prefeitura, comandada por um aliado do casal - por US$ 34 mil. O mesmo terreno foi revendido em 2008 por US$ 1,65 milhão.

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Mas, a investigação sobre o caso está praticamente paralisada, já que ficou nas mãos da sobrinha do casal Kirchner, a promotora Natalia Mercado, filha de Alicia Kirchner, ministra da Ação Social, irmã do ex-presidente Néstor Kirchner.

Um levantamento realizado pela consultoria KPMG em 2009 entre empresários indicou que as propinas solicitadas costumeiramente por integrantes do governo chegavam a 20% do total das operações. Isso indicava um aumento substancial com as propinas pedidas em 2003, de 15%. A proporção atual implicaria no dobro dos subornos pedidos durante o governo de Carlos Menem nos anos 90, de 10%. No governo de Raúl Alfonsín (1983-89) oscilavam ao redor de 6%.

A trégua que a oposição concedeu à presidente Cristina Kirchner após a morte e funeral do ex-presidente Néstor Kirchner (respectivamente nos dias 27 e 29 de outubro) prometia durar até o início do ano novo, segundo diversos analistas consultados pelo Estado. No entanto, o cessar-fogo acabou repentinamente na quinta-feira graças ao surgimento do escândalo de supostos subornos por parte do governo a integrantes da oposição para aprovar a lei de Orçamento Nacional da presidente Cristina.

Ao longo das duas semanas que transcorreram desde a morte de Kirchner, a presidente-viúva obteve uma inédita pausa nas críticas da oposição. Ostentando rigorosamente a cor preta na vestimenta, Cristina - com ar compungido pela morte do marido - ficou isenta das acusações da oposição neste breve período.

"O luto possibilita imunidade, pois inibe a oposição, pois é de mau gosto bater em uma pessoa no período logo após a morte de um cônjuge... é preciso aguardar o momento propício para pular em cima", diz com ironia o analista político, escritor, polemista e ex-embaixador argentino na Unesco Jorge Asís. "Mas, enquanto Cristina comece a dar mancadas, a oposição pulará na jugular da presidente", completa.

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Kirchner costumava ser o encarregado de enfrentar as denúncias sobre casos de corrupção, articulando a defesa e contraofensiva da Casa Rosada. Obsessivo, o ex-presidente telefonava constantemente a seus aliados para extrair deles lealdade absoluta e cerrar fileiras contra a oposição no Parlamento, onde o governo perdeu a maioria que tinha na derrota eleitoral do ano passado.

A morte do ex-presidente, considerado o verdadeiro poder no governo de sua mulher, deixou seus ministros desarticulados, gerando um cenário de incertezas nos onze meses que restam até as eleições presidenciais do ano que vem.

O escândalo da suposta compra de votos na Câmara surge no momento em que a presidente Cristina estava conseguindo recuperar sua popularidade graças à recuperação da economia e - segundo os analistas - ao fator "compaixão" pela morte do marido.

Coima - Suborno preparado, organizado. "Propina", em espanhol, é usado para "gorjeta".

La Banelco - Alusão à "Banelco", marca de um cartão de débito bancário. Surgiu no ano 2000, quando o então ministro do Trabalho, Alberto Flamarique, teria afirmado que resolveria um impasse sobre a votação da polêmica Lei Trabalhista no Senado com "La Banelco". Ou seja, pagando aos senadores. O termo, usado de forma geral para o pagamento de subornos em empresas e governo, voltou a ser aplicado no caso da suposta compra de votos na Câmara de Deputados por parte do governo de Cristina Kirchner.

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Diego - Alusão a "El Diez" (O Dez), apelido do ex-astro do futebol, Diego Armando Maradona, que usava a camiseta número 10. Mas, neste caso, o "Diego" refere-se ao 10% de alguma quantia em jogo. Uma espécie de dízimo periódico.

Celular - Alusão ao prefixo "15" dos telefones celulares na Argentina, e por tabela, referência à comissão de 15% que diversos ministros cobrariam de empresários.

Sobre - "Sobre" é "envelope". Os subornos são enviados em envelopes.

Cadena de la felicidad - Rede da felicidade. O dia - ou semana - em que são distribuídos os "sobres".

O genial Joaquín Lavado, a.k.a. Quino, ironiza o sistema de corrupção e a impunidade.

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- "Para que a Argentina progrida, a gente tem que deixar de roubar pelo menos durante dois anos" (Luis Barrionuevo, um dos principais líderes sindicais do país, nos anos 90).

- "Neste país ninguém faz dinheiro trabalhando" (Luis Barrionuevo, sindicalista).

- "Se fosse pelos antecedentes penais e judiciários, não sobraria ninguém no país" (José Luis Manzano, Ministro do Interior no governo Menem).

- "A economia da Argentina só cresce porque de noite os políticos e empresários estão dormindo e não podem roubar" (estadista francês Georges Clemenceau, após sua visita à Buenos Aires no começo do século vinte).

 
 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

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