Entre o final dos anos 40 e início dos 50 o então presidente Juan Domingo Perón tinha o controle da maior parte da mídia argentina. Poucos persistiam em criticar suas políticas. Um deles, o "La Prensa", foi alvo de uma intensa guerra desatada pelo governo, que tentou asfixiar o jornal por intermédio de ações do fisco, denúncias sanitárias, boicote ao periódico, redução na venda de papel de jornal, entre outras medidas. Acima, o casal Juan Domingo Perón e Eva Duarte de Perón em pose de gala. O quadro está atualmente no Museu do Bicentenário, atrás da Casa Rosada. Detalhe interessante: por causa do amplo sorriso do carismático Perón, o militar que tornou-se presidente quando era coronel, era chamado de "Coronel Kolynos".
Perón foi intensamente recordado nos últimos três anos, desde a aprovação da Lei de Mídia, já que - segundo os analistas políticos - a presidente Cristina Kirchner, em vez de ter a atitude de tolerância dos derradeiros anos de Perón, reprisa a ambição de ter o controle total da mídia que havia caracterizado o fundador do peronismo no início da carreira, nos anos 40 e 50.
Da mesma forma que Cristina tenta atualmente destruir o poder do Grupo Clarín, a principal holding multimídia argentino, Perón colocou uma bateria de restrições à mídia privada e armou uma superestrutura de meios de comunicação estatais, além de redes privadas de empresários "amigáveis".
Perón, em seus primeiros dois governos (1946-55), contava com uma ampla rede de comunicação que divulgava as notícias favoráveis à sua administração e omitia os assuntos inconvenientes. Ele contava com o Alea S.A., um monopólio estatal criado em 1951 que tinha o respaldo de três grupos que eram nominalmente privados mas que estavam diretamente comandados pelo governo: a editora Heynes, a Associação Promotores de Teleradiodifusão e a editora La Razón (que publicava um dos principais jornais do país, o "La Razón").
Segundo o historiador Eduardo Lazzari, a primeira estratégia de Perón em relação aos meios de comunicação foi a de defender-se das críticas. No entanto, pouco tempo depois de chegar ao poder o fundador do peronismo concluiu que a defesa não era suficiente. Desta forma, começou a pressionar os donos de meios de comunicação a vender seus jornais, revistas e estações de rádio.
No início dos anos 50 Perón abraça efusivamente o ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner. Quando foi derrubado, em 1955, Perón buscou refúgio em Assunção, capital do país do amigo presidente paraguaio. E embaixo, em 1974, cumprimenta o recém-empossado ditador/general chileno Augusto R. Pinochet. O "R" é de "Ramón".
Boa parte das pressões eram realizadas pela Comissão Bicameral Investigadora de Atividades Anti-argentinas. comandada pelo ultra-peronista deputado Emilio Visca, que vasculhava os livros de contabilidade dos jornais não alinhados com Perón para ter argumentos para seu fechamento, confisco ou intervenção.
Tal como o governo da presidente Cristina Kirchner fez com o jornal "Clarín" ao realizar uma blitz de insólitas proporções da Afip (a receita federal argentina) - as companhias jornalísticas que resistiam ao assédio de Perón eram pressionadas com o Fisco. Algumas eram alvo da vigilância sanitária: se os vasos sanitários dos banheiros dos funcionários apresentassem alguma irregularidade ou sujeira maior à costumeira, podiam ser fechados.
Em alguns casos, se os empresários mostrassem obediência, podiam ser designados como diretores de suas ex-empresas, agora estatizadas, de forma a camuflar a compra compulsória realizada pelo governo. O modus operandi era o de destinar os fundos necessários para essas compras eram provenientes do Instituto Argentina para o Estímulo ao Intercâmbio (Iapi), comandado por Miguel Miranda, um gênio da contabilidade criativa.
O antigo edifício do La Prensa, na avenida de Mayo. Atualmente é a Secretaria de Cultura da capital argentina
LA PRENSA - A "mãe de todas as batalhas" de Perón na mídia foi o combate contra o "La Prensa", jornal da aristocrática família Paz, definido pela revista americana "Time" como um dos mais respeitados periódicos do mundo na época. O "La Prensa", cuja tiragem era de 480 mil exemplares, tornou-se alvo de uma campanha do governo a partir de 1947.
O "La Prensa" foi atacado pelas rádios aliadas do governo e enfrentou uma campanha oficial que promovia o boicote da compra de seus exemplares. Os anunciantes eram pressionados para não colocar publicidade nas páginas do "La Prensa". O racionamento de papel encolheu o jornal das 40 páginas costumeiras a apenas 12. Mas, o jornal, apesar das pressões, continuava saindo às ruas.
Tal como o "Clarín" atualmente, o "La Prensa" era alvo de blitze sem justificativas do fisco argentino.
Em 1950, o governo confiscou as novas rotativas importadas e as destinou para o "Democracia", jornal editado pelo próprio Estado argentino. Em 1951 o sindicato dos jornaleiros ameaçou não distribuir mais o periódico. O "La Prensa" sobreviveu vendendo os exemplares em sua sede aos leitores que iam até o centro portenho comprar o jornal.
O "La Prensa" estava disposto a resistir, apesar da guerra desatada por Perón. Sem conseguir colocar o jornal de joelhos, Perón, com a aprovação do Parlamento - no qual o peronismo era maioria - ordenou o confisco do "La Prensa", que foi entregue à Confederação Geral do Trabalho (CGT), a única central sindical autorizada por Perón. O líder do bloco peronista na Câmara, John William Cooke, afirmou que o governo estava contra "La Prensa" porque, segundo ele, o jornal "estava contra os operários e contra os peronistas".
O historiador Luis Alberto Romero afirmou ao Estado que a liberdade de expressão nos tempos de Perón sofria um amplo leque de problemas, indo desde o "fechamento de jornais, passando pelo confisco e estatização dos meios de comunicação, até a auto-censura". Romero relata que seu pai, o historiador José Luis Romero, que era colaborador do jornal "La Nación", às vezes dizia ao filho que o estilo jornalístico desse periódico estava "muito imbricado".
"Mas essa era única forma de conseguir dizer certas coisas, por intermédio de elipses, evitando ser explícito, para driblar problemas com o governo de Perón, que já havia demonstrado sua determinação em anular meios críticos fechando o 'La Prensa'".
Perón e Evita assistem uma parada militar na frente do Congresso Nacional
Jornais como "La Nación" - que já enfrentava o racionamento de papel de jornal, controlado pelo governo - tiveram que moderar suas críticas ao presidente Perón, para evitar correr destino similar ao "La Prensa".
Com a queda de Perón em 1955, o "La Prensa" voltou às mãos de seus donos originais. No entanto, o jornal nunca mais foi o mesmo, já que durante a intervenção iniciou uma fase de decadência que foi aproveitada por um periódico que começava seus primeiros passos, o "Clarín", que teve apoio de Perón e que é o leitmotiv da política da presidente Cristina Kirchner.
E, para encerrar esta noite, a "Lacrimosa", do Réquiem de Wolfgang Amadeus Mozart. Rege Hebert von Karajan:
Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).