arielpalacios
24 de julho de 2014 | 10h24
Há poucas semanas, em pleno conflito judiciário com os “holdouts”, a presidente Cristina Kirchner criticou estes fundos hedge por tentar conseguir elevados lucros graças aos títulos da divida pública argentina que anos atrás haviam comprado a baixo preço, quando estavam desvalorizados pelo calote de 2001. “Eles querem lucros de 1.600%!” exclamou a presidente na ocasião – visivelmente irritada – criticando a ofensiva que os “holdouts” realizam nos tribunais em Nova York para conseguir o embargo de bens do Estado argentino nos Estados Unidos ou o pagamento da totalidade da dívida.
“Abutres” é a denominação que o governo da presidente Cristina aplica aos “holdouts’, aos quais acusa de conspirar contra a Argentina. No jargão financeiro um “fundo abutre” é um fundo de capital de risco ou fundo de investimento livre que investe em uma dívida pública de uma entidade que seja fraca ou esteja próxima da falência.
No entanto, o modus operandi dos “abutres” é similar ao que o próprio casal Néstor e Cristina Kirchner aplicou na Patagônia durante a ditadura militar (1976-83), quando enriqueceu graças à execuções hipotecárias.
Recém-formados como advogados em La Plata, os Kirchners foram em 1976 a Rio Gallegos, capital da província de Santa Cruz, onde instalaram-se como assessores jurídicos da agência financeira Finsud, que realizava cobranças extrajudiciárias.
O jovem advogado, quando ficava sabendo que um proprietário deixava de pagar a parcela mensal de crédito, ia até sua casa e lhe explicava que tinha poucas opções. Uma delas era resignar-se a ter a casa leiloada e ficar sem nada. A outra, a de vendê-la ao próprio Kirchner por um preço significamente inferior ao valor real.
Na época o ministro José Alfredo Martinez de Hoz, que comandava a economia do regime militar, havia desregulado o mercado financeiro, permitindo a criação de centenas de agências financeiras em todo o país. Mas, em janeiro de 1980, Martinez de Hoz emitiu a circular número 1050, que – suspendendo as taxas predeterminadas para os créditos – permitia a indexação das dívidas pela inflação, que era de 150% anual. Dezenas de milhares de pessoas faliram imediatamente. O novo cenário favoreceu o casal Kirchner, que ampliou a compra de imóveis.
Segundo diversas investigações jornalísticas, em apenas cinco anos, entre 1977 e 1982, o jovem casal comprou 22 propriedades. “Compraram as casas daquelas pessoas que não as podiam pagar”, explicou anos atrás o ex-deputado Javier Bielle, da União Cívica Radical (UCR) de Santa Cruz.
“Para fazer política é primeiro necessário juntar dinheiro”, dizia o casal Kirchner nos anos 80 aos amigos em Santa Cruz.
Os Kirchners continuaram prosperando mesmo quando chegaram ao governo de Santa Cruz e posteriormente na presidência da República. Seu patrimônio, entre 1995 e 2010, segundo os dados de suas declarações juramentadas, aumentou em 4.567%.
Gravura de inglesa de 1892 mostra abutres núbios fazendo um breve coffee break com um involuntário quitute quadrúpede.
AVÔ – O escritor anarquista Osvaldo Bayer, em sua obra “Os vingadores da Patagônia trágica”, um clássico da História argentina, afirma que o avô de Kirchner, Karl Kirchner, era conhecido em Santa Cruz nas primeiras décadas do século 20 por ser um agiota.
E nesta semana de embalos financeiros, vamos com Tita Merelo cantando a “ranchera” “Donde hay un mango?”:
PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra). Em 2013 publicou “Os Argentinos”, pela Editora Contexto, uma espécie de “manual” sobre a Argentina. Em 2014, em parceria com Guga Chacra, escreveu “Os Hermanos e Nós”, livro sobre o futebol argentino e os mitos da “rivalidade” Brasil-Argentina.
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