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Os Hermanos

O colchão: peça sine qua non do mobiliário para resguardar as economias argentinas

 

Por arielpalacios
Atualização:

Argentinos possuem US$ 148 bilhões nos colchões e fora do país. Dinheiro fora do sistema financeiro e investimentos empresariais diretos no exterior equivalem a 60% do PIB. No colchão acima, São Martim de Tours (316-397) dormindo profundamente (embaixo do colchão, umas misteriosas grandes caixas). A obra, que está na capela de São Martim,na igreja de São Francisco, em Assis, Itália, é "O sonho de São Martim", pintada entre 1312 e 1317 por Simone Martini (1284-1344), um dos grandes pintores do 'trecento' italiano (e o mais famoso no domínio da cor). É impressionante o detalhe das dobras da colcha (quem quiser ver mais minúcias da ilustração, clique para ver uma versão ampliada, aqui). São Martim de Tours, coincidentemente, é o patrono da cidade de Buenos Aires (e como ele se transformou no patrono portenho,bom... essa é uma história divertida que vale a pena contar em outra postagem, mais especificamente, no dia 11 de novembro, que é o dia deste santo).

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A Argentina conta com 67 bancos em todo o território nacional. Deste total, 12 bancos são públicos, enquanto que os outros 55 são particulares. O sistema financeiro argentino possui com 4.065 filiais bancárias, com apenas 10.700 caixas eletrônicos.

Segundo estimativas da city financeira portenha, o grau de bancarização dos argentinos é um dos mais baixos do ocidente. O volume de créditos representa somente 14,7% do PIB (enquanto que a média da América Latina é de 33%). A desconfiança no sistema financeiro é evidenciada por este dado: 53% das famílias do país não operam com banco algum.

O volume de dinheiro acumulado fora do sistema pelos argentinos equivale a quase três vezes o volume que compõe as reservas do Banco Central do país, de US$ 50 bilhões.

O ex-secretário de Fazenda, Mario Brodersohn, sustenta que o elevado índice de risco do país da Argentina, atualmente em 683 pontos básicos, significativamente superior ao do Brasil (197 pontos) e do México (131), pode ser explicado em grande parte pela fuga de capitais que caracteriza a Argentina.

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Além do dinheiro nos colchões ou nos bancos no exterior que os cidadãos argentinos possuem, as empresas deste país contam com um total de US$ 29,44 bilhões em investimentos diretos privados no exterior.

Desta forma, o total dos investimentos de empresas no exterior e o dinheiro que os argentinos possuem fora do sistema alcança a faixa de US$ 177 bilhões. Isso equivale a 60% do PIB argentino.

Embora o ato de colocar o dinheiro fora do país e nos colchões seja um clássico há tempos, essa tendência acentuou-se desde a crise de 2001, ano em que o país afundou no caos social, na disparada da pobreza e no descalabro financeiro. Na época, os argentinos tinham um total de US$ 81,87 bilhões fora do sistema, pouco mais da metade que possuem atualmente.

Diversos economistas sustentam que a crise só não foi mais dantesca graças ao dinheiro que os argentinos tinham fora do alcance do governo nos esconderijos caseiros e no exterior. O dinheiro de vastos setores da classe média, resguardados em bancos uruguaios, retornou gradualmente ao país, permitindo a injeção de cash na colapsada economia argentina da época.

Don Vito Corleone, isto é, Marlon Brando, protagonista de "O Poderoso Chefão". "To go to the mattresses" era a modalidade preferida de Don Corleone e seu filho Sonny.

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ROMANOS, ÁRABES E O MARIO PUZO - Em diversas partes do planeta também usa-se a figura do colchão como uma quantia de dinheiro que serve de resguardo para imprevistos ou como base para um investimento.

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A palavra em português e em espanhol vem do latim "culcita", que significa colcha ou lugar para deitar. Dali vem o verbo francês "coucher" (deitar ou ter sexo).

Em outros idiomas, como o inglês (mattress), o francês (matelas), o alemão (matratze), o italiano (materasso) e o russo (??????) a origem da palavra provém do árabe má?ra? (???? ), que significa lugar onde se joga alguma coisa (que deriva do verbo ??? (pronuncia-se ?ara?a, isto é, "jogar").

No romance "O Poderoso Chefão" (The Godfather, de 1969) o escritor Mario Puzo cita a expressão mafiosa "to go to the mattresses" (ir aos colchões), como equivalente a ir para a guerra, usar táticas rudes, agira sem limites.

- I want Sollozzo. If not, it's all-out war. We'll go to the mattresses.

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(Quero o Sollozzo. Se não for assim, será guerra total. Nós iremos aos colchões)

Isabelita Perón, ex-dançarina de cabaré no Panamá transformada em vice-presidente e posteriormente em presidente da Argentina, levou o país ao primeiro grande descalabro econômico de sua História. O primeiro de uma série de descalabros. Isabelita atualmente reside confortavelmente nas redondezas de Madri.

Em seis meses, a inflação escalou 183%, enquanto protestos sociais, sindicais e políticos alastravam-se. A presidente Isabelita Perón perdeu respaldo e foi derrubada por um golpe militar oito meses depois.

Coincidentemente, de 1975 para cá o país teve uma grave crise econômica a cada sete anos. Em 1982, a Guerra das Malvinas gerou um descalabro financeiro que levou à uma nova crise que afundou o país em uma inflação de mais de 300%.

A seguinte grande crise ocorreu em 1989, com a hiper-inflação do final do governo do presidente Raúl Alfonsín, que passou de 5.000%. A pobreza disparou, junto com saques em massa a comércios.

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Quase sete anos mais tarde, em 1995, o país foi duramente afetado pela crise mexicana, enquanto tentava de todas formas manter a conversbilidade econômica. Esta acabou com a seguinte crise, a de 2001-2002, quando o governo do presidente Fernando De la Rúa caiu no meio do caos social e financeiro. A pobreza, que estava na faixa dos 28%, disparou a 57%. O desemprego, de 17%, subiu para 28%. O PIB em 2002 despencou 11%.

O país entrou novamente em problemas em 2008, meses antes da crise mundial. O estopim, desta vez, foi o confronto do governo com o setor ruralista, o crescimento do gasto público, a escalada inflacionária e a retomada do crescimento da pobreza, que passou de 20% em 2006 para 30% (segundo a Central dos Trabalhadores Argentinos e diversas consultorias econômmicas) ou 40% (segundo a Igreja Católica).

Em meio às turbulências das políticas econômicas dos governos de plantão nem sempre é possível dormir placidamente como neste quadro do batutésimo Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). É o "Dans le lit" (Na cama), de 1893. Exposto no Musée D'Orsay, Paris.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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