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Os Hermanos

O francês que foi o rei da Patagônia

Orèlie I, Roi de la Patagonie et Araucanie

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Por arielpalacios
Atualização:

Ano: 1857. Lugar: o fumacento cabaret "Le Chat Noir", em Paris. Os personagens: um grupo de poetas e escritores comandado por Charles Cros e Charles Baudelaire. O otário do grupo: um Procurador da Justiça de um vilarejo de Périgord, Orèlie Antonie De Tounens. No "Chat Noir", os poetas (grupo ao qual anos depois, se uniriam Arthur Rimbaud e Paul Verlaine) criam reinos de fantasia, distribuem títulos nobiliários às bailarinas, e finalmente, no meio de bebedeiras de absinto, dão ao ingênuo Orèlie o título de rei da Araucânia, a zona sul do Chile. Posteriormente, seria rei da Patagônia, zona sul da Argentina.

A "corte" do Chat Noir não prevê que Orèlie levaria à sério a fantasia. Convencido de que poderia governar centenas de milhares de índios que ainda resistiam à conquista dos brancos, embarcou no primeiro navio que partia para o Chile.

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Carregando em sua bagagem uma bandeira (azul, branca e verde, em listras horizontais) do reino que pretendia fundar, uma Constituição e algumas medalhas para distribuir seus súditos indígenas, que ainda não conheciam.

Além disso, levou na maleta alguns fraques, para causar boa impressão.

Partiu em 1858, fazendo uma escala no Panamá. Ao chegar ao Chile, começou a aprender castelhano. Instalado no porto chileno de Valparaíso, começou a tentar contatos com os indígenas.

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Finalmente, conseguiu marcar um encontro, ao qual foi vestido de casaca, com um poncho em cima e um sabre pendurado na cintura.

Na reunião, o delirante francês ofereceu armas aos índios e proteção contra os invasores brancos. Além disso, afirmava que o imperador francês, Napoleão III, estava disposto a proteger os índios do sul do continente, os únicos que ainda permaneciam independentes.

Na prática, os governos do Chile e da Argentina ainda não haviam conquistado dos indígenas as regiões que Orèlie reivindicava como parte de seu reino.

O grande encontro do francês que aspirava ao trono seria realizado com um dos principais líderes, o indomável cacique Quilopán.

A cúpula Orèlie-Quilopán começou no meio de grandes festejos dos indígenas, que fizeram questão de mostrar ao francês suas habilidades e coragem. Para isso, o filho de Quilopán, Külopan, montou em seu cavalo e saiu correndo disparado em direção a um penhasco.

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O esporte da aldeia era cavalgar até a beirada a toda velocidade, deter o cavalo, e que este ficasse com as patas dianteiras erguidas no ar, sobre o precipício.

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Mas, ninguém sabe se nessa ocasião o equino não entendeu o espírito da competição ou se o jovem Külopan havia bebido vinho demais. O fato é que cavaleiro e cavalo continuaram mais além do penhasco e estatelaram-se no fundo do precipício.

A festa transformou-se em velório. Orèlie viu que seu plano poderia ir por água abaixo. Mas, ao ver que o costume indígena era o de dar presentes aos parentes do recém-defunto, o francês deu seu próprio cavalo, um vigoroso puro-sangue, que encantou o até então entristecido Quilopán. O cacique, a partir dali, respaldou Orèlie.

Dono de boa lábia, Orèlie reuniu mais caciques - e com a ajuda de Quiolopán - proclamou o reino de Araucânia no dia 17 de novembro de 1860. Desta forma, surgiu a primeira monarquia franco-indígena do continente americano.

Com uma Constituição, bandeira, e um Hino Real encomendado no Chile ao músico alemão Wilhelm Frick, Orèlie, quatro dias depois, mais ambicioso, enviou emissários para o lado argentino da Cordilheira dos Andes, na Patagônia.

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Desta forma, conseguiu outro título, e em francês: "Roy de la Patagonie". O ex-procurador francês transformava-se no rei da Araucania e Patagônia.

No dia 28 de dezembro, os chilenos, em Santiago, acharam que era uma piada o anúncio do novo reino em sua fronteira sul (é que no dia 28 de dezembro, nos países hispânicos, festeja-se o 'dia dos inocentes', isto é, nosso 1o. de abril, o 'dia da mentira').

Piada ou não, o reino durou pouco. No primeiro mês, entusiasmado com a obediência dos indígenas mapuches, planejou ataques a vilarejos chilenos. Mas, as autoridades do Chile foram informadas dos planos de Orèlie pelo próprio tradutor ao mapuche do novo rei, que o traiu. Militares chilenos encontraram e detiveram Orèlie, que foi parar na cadeia.

Considerado primeiro um agitador, e depois louco, e após uma temporada no Hospício de Santiago, capital do Chile, foi enviado à França. Ali, vendeu títulos nobiliários, terrenos na Patagônia e bônus da tesouraria do inexistente reino para angariar dinheiro e retornar. Finalmente, Orèlie partiu para a América do Sul.

Mas, na Argentina foi preso junto com um grupo de "nobres" de sua corte. Mais uma vez foi expulso. Orèlie voltou uma terceira vez, na qual também fracassou. Na quarta vez, em 1878, passou pelo Chile e pela Argentina.

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Em Buenos Aires, adoeceu, pois sofria de câncer no cólon. Com uma grave obstrução intestinal, transformou-se mais uma vez em notícia, já que os médicos argentinos acabam realizando nele a primeira operação de ânus artificial da América do Sul. Depois, volta à França, onde morreu em Bordeaux, no dia 17 de setembro de 1878, na pobreza.

Pouco antes de morrer confessou que havia esperado inutilmente apoio do governo francês para sua empreitada: "sim, fui um completo louco. Mas, quem ia pensar que a França podia se negar a anexar tais esplêndidas colônias'".

Tempos antes de falecer, Orèlie Antoine I, rei da Araucânia e Patagônia repassou seus "domínios" a um primo em segundo grau, Aquiles Leviarde, Aquiles I. Este, jamais colocou seus pés na Patagônia. Mas, já idoso, em 1900, tentou vender o reino para o magnata do aço dos EUA, Andrew Carnegie. O multimilionário interessou-se a princípio. Mas, após seis semanas de negociações, as conversas fracassaram.

E, 1902, Aquiles I morreu. Seu ministro das relações exteriores, garçom de um bar, anunciou à mídia sobre seu falecimento. Ele foi sucedido por Antoine Hipolite Cross, que tomou o título de Antoine II. Seus filhos tentaram infrutiferamente vender o retumbante título de Rei da Araucânia e Patagônia.

Sem encontrar compradores, sua filha assumiu o "trono" com o nome de Laura Thérese I. Ela foi sucedida por seu filho, Jacques Antoine Bernard, com o título de Antoine III. Este, em 1951, abdicou, ao repassar os direitos da coroa patagônica-araucânia a Philippe Boiry - com o qual não possuía laço algum de parentesco - entronizado com o título de Philippe I.

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O reino da Patagônia-Araucânia nunca foi reconhecido por governo algum. Apesar disso, a "família real" jamais deixou de reclamar o trono.

No comando de um dos reinados mais pitorescos deste planeta, sua majestade Philippe I participa de eventos internacionais em defesa das populações indígenas por meio de uma ONG. Ele afirma que defende a cultura e os direitos dos indígenas dominados no final do século XIX pelos Estados do Chile e da Argentina.

Segundo Phillipe I, seus súditos são o milhão de mapuches que habitam na região meridional chileno-argentina.

MARINES PATAGÔNIOS INVADEM GRÃ-BRETANHA Os delírios do reino patagônico levaram Jean Raspail, cônsul do rei Phillippe, a fincar - em 1984 e novamente em 1998 - a bandeira real de Orèlie nas Minquiers, um pequeno arquipélago no canal da Mancha, pertencente à Grã-Bretanha.

Durante a ocupação de 24 horas, Raspail teve tempo até para batizar o arquipélago de "Patagônia Setentrional". Raspail anunciou que a ocupação havia sido realizada com uma "unidade de infantes da marina patagônia" e que o motivo da invasão das Minquiers era uma "retaliação" pela "prolongada e inaceitável" ocupação das ilhas Malvinas feita pela Grã-Bretanha.

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O argumento desses pitorescos invasores era que as Malvinas 'integravam' o território do Reino da Patagônia.

Desta forma, um país sul-americano - o reino da Araucânia e Patagônia - pela primeira vez desde que a Argentina invadiu as Malvinas em 1982, declarou 'guerra' à uma potência européia, neste caso, a Grã-Bretanha. Mas, a ousadia patagônia foi mais além dos delírios de Galtieri e ousou tomar território britânico em plena Europa.

Em Paris, o embaixador britânico Sir Michael Jay, optou por não comentar a 'invasão'. Mas, um dos porta-vozes britânicos na Corte Internacional de Haia sustentou com fleuma londrina que "reivindicações territoriais são sempre complicadas", mais ainda no caso "que estas sejam provenientes de países não-existentes...".

O 'Times' tentou explicar a seus leitores os motivos da aventura de Raspail: "os rochedos das ilhas do canal da Mancha relembram muito as paisagens da Patagônia".

O francês 'Valeurs Actuelles' ressaltou que a população local das Minquiers, 'composta essencialmente por crustáceos de consciência política pouco desenvolvida', encarou a invasão patagônia, a contra-invasão britânica e a discussão sobre a soberania desse território com 'grande indiferença'. Segundo o periódico, as ovelhas das Malvinas, oprimidas pela 'bota britânica', solidarizavam com a 'causa patagônia'.

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Anos antes, em 1981, Raspail havia sido recebido o Prêmio Romance da Academia Francesa por sua novela "Eu, Antoine de Tounens, rei da Patagônia".

Em 2008, os seguidores de Phillippe tentaram "conquistar" as ilhas de Saint Marcouf, também no canal da Mancha, perto da costa da Normandia.

"A Patagônia", diz o veterano jornalista Enrique Oliva, "sempre estimulou os delírios dos europeus".

Link de grupo defensor dos direitos de Orèlie Antoine à coroa do reino da Araucânia e Patagônia. O link: http://74.125.47.132/search?q=cache:pWnhgWRBaxEJ:www.mapuche-nation.org/espanol/html/articulos/art-129.htm+titulos+vendidos+por+orelie&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk

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