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Os Hermanos

Perón e o Terceiro Reich

Comício nazista em pleno centro portenho, no dia 10 de abril de 1939

Por arielpalacios
Atualização:

Caras e caros, começamos hoje, 1 de setembro, terça-feira, aniversário número 70 do início da Segunda Guerra Mundial, uma sequência de postagens diárias sobre a guerra e a Argentina, nazistas, neonazistas & congêneres. Hoje, veremos Perón e os nazistas. - Na quarta-feira, teremos a peculiar Guia Turístico Nazista de um importante centro de esqui argentino e o boom de livros que ocorre há anos na Argentina sobre o Terceiro Reich. - Na quinta-feira, veremos os neonazistas argentinos que adoram os strunfs (sim, aqueles simpáticos duendezinhos azuis...eles acreditam que são arianos) e a história de A.Biondini, o argentino que sonhava ser Führer. Na virada deste século. - Na sexta-feira, uma entrevista feita há 10 anos com Wilfred Von Oven, o secretário de imprensa de Joseph Goebbels. Uma entrevista na qual ele devorou uma caixa de frutas de caju cristalizada. - No sábado, breve intervalo para falar de futebol (pelo jogo Brasil versus Argentina) E na segunda-feira, mais Segunda Guerra Mundial, com a história do plano dos EUA para bombardear Buenos Aires...desde o Uruguai.

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Hitler e seus assessores já pensavam na extensão de seu domínio ou influência na América do Sul, para distrair as forças dos EUA que começavam à chegar à Europa e atrapalhavam os planos do Japão no Oceano Pacífico.

Seu instrumento seria Perón, na época secretário de Guerra, e a eminência parda do poder na Argentina. Perón, que não era nem um pouco tonto, também utilizou os nazistas como instrumento, e no pós-guerra, serviu-se de centenas deles, que na Argentina trabalharam em âmbitos variados: desde técnicos para fábricas militares, físicos nucleares, e até torturadores e especialistas em propaganda política.

O então coronel Perón já vinha estabelecendo contatos e colaborações com o Terceiro Reich desde o início da Segunda Guerra Mundial. Ele liderava o Grupo Oficiales Unidos (GOU), uma agrupação de oficiais que em 1943 realizaria um golpe de Estado vitorioso. A anterior estadia de Perón na Itália de Mussolini em 1940, sua visita à Paris ocupada e as multidões frenéticas na Piazza Venezia, deixaram o futuro presidente argentino inspirado.

"Não diria que Perón era um nazista", me explicou o jornalista e historiador norte-americano-argentino Uki Goñi, autor de "Perón e os alemães", onde traz à tona uma série de documentos sobre os vínculos do general argentino com o Terceiro Reich.

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"Neste tema, as ideologias ou religiões não possuem nenhuma importância. A única coisa que importa é o poder. Nazistas são os que enchiam os estádios por Hitler. Peronistas são os que enchiam a Plaza de Mayo. Perón não era nazista", diz.

No entanto, Goñi admite que "Perón admitia sua admiração pelas ideias do fascismo, e muito depois, nos anos 70, ainda criticava o Julgamento de Nuremberg, que definia como uma infâmia. Dizia que havia tentado resgatar o máximo de alemães de Nuremberg. E o conseguiu".

O ranço fascista dos militares argentinos chamou a atenção de Goñi, e decidiu - após dois anos de investigações e a descoberta de documentos inéditos - escrever "Perón e os alemães", já considerada a melhor obra do gênero no país.

A espionagem alemã na Argentina estava constituída principalmente pela Sicherheitsdienst (SD). A Argentina, que se manteve neutra até semanas antes da vitória dos Aliados, foi o principal centro da espionagem alemã na América do Sul, e grande parte da informação sobre os EUA passava por Buenos Aires. Com a ajuda discreta do GOU, a espionagem alemã no país manteve-se praticamente intacta até o fim da guerra.

O principal enlace entre a Argentina e o Terceiro Reich foi Juan Carlos Goyeneche, líder dos nacionalistas católicos, que viajou dezenas de vezes à Alemanha, onde reuniu-se com o chanceler Joachin Von Ribbentrop, o líder das SS Heinrich Himmler, e outros líderes fascistas europeus como Mussolini, Franco, Salazar. Goyeneche também teve dois encontros com o Papa Pio XII. Sua capacidade de contatos surpreende até hoje: Goyeneche correspondia-se com Himmler ainda em março de 1945, um mês e meio antes da derrota nazista. Nas décadas posteriores, divertiu seus amigos contando características pessoais dos ministros de Hitler. No entanto, era um enlace informal. Goñi considera que "a História da região poderia ter sido diferente se Osmar Hellmuth não tivesse sido capturado pelos ingleses".

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Hellmuth, ao contrário de Goyeneche, era um germano-argentino, colaborador da SD, e enviado como emissário especial por Perón para negociar com Hitler um apoio argentino em troca de armas.

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No entanto, Hellmuth foi preso pelos britânicos no meio do caminho e permaneceu preso até o fim da guerra, impedindo as conversações oficiais de uma possível aliança argentina-germânica.

Goñi relata a supresa de um chefe da seção latino-americana da Chancelaria do Reich que em agosto de 1944, após o desembarque aliado na Normandia e com Berlim sob constante bombardeio, recebeu um telegrama de Perón dizendo que ainda acreditava na vitória alemã.

"Na verdade, os militares argentinos não acreditavam na vitória nazista, mas consideravam que Hitler poderia obter uma paz separada com os EUA e a Grã-Bretanha, e ter as mãos livres para continuar a guerra com a URSS". Segundo Goñi, Perón acreditava que era possível uma paz condicional, e que a Argentina e o Vaticano, poderiam ser os mediadores da paz.

Durante a Guerra, Perón planejava constituir uma faixa de proteção à Argentina, constituída por países como a Bolívia e o Paraguai. Este, foi um dos primeiros alvos de Perón: em 1943, tentou seduzir o general Higino Morínigo, presidente paraguaio, com aparatosa recepção em Buenos Aires. O mordaz jornalista Ray Joseph, do The Buenos Aires Herald, descreveu a visita de Higino Morínigo como a "dessas boas-vindas que Mussollini costumava dar a Hitler".

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Segundo Joseph, os muros portenhos foram cobertos com cartazes com a imagem de Morínigo, "uma imagem tão hollywoodiana que duvido que o próprio pudesse se reconhecer nelas". No entanto, apesar das lisonjas, o paraguaio ficou do lado dos EUA, que lhe havia oferecido armas. Perón dedicou-se imediatamente a outro alvo: a Bolívia.

Esse país recebeu atenção especial de Perón. Ali, o GOU, o SD articularam um golpe que derrubou o governo do general Enrique Peñaranda em dezembro de 1943. No seu lugar, com apoio do magnata do estanho, o germano-bolivano Gustav Eickenberg, foi colocado o general Gualberto Villarroel. Em troca, a Argentina prometeu ajuda econômica e a construção de uma ferrovia.

Mas a armação do golpe foi descoberta pelos EUA, e o governo boliviano precisou manter um low profile até o fim da Guerra. Victor Paz Estenssoro, que mais tarde seria presidente da Bolívia em três ocasiões, também foi um dos conspiradores, e durante o governo de Villarroel, foi ministro da Fazenda.

Villarroel ficou no poder até 1946. No pós-guerra, foi difícil manter-se, e foi derrubado em uma sangrenta revolução. Como Mussolini, foi assassinado, e seu corpo pendurado de um poste. Estenssoro conseguiu fugir, e até a virada deste século, já nonagenário, evitava falar sobre o tema.

PERÓN E OS INTEGRALISTAS O Brasil era o seguinte alvo. Perón assustava-se com a construção de bases aeronavais no Brasil e no Uruguai, de onde poderiam bombardear Buenos Aires. Junto com a SD, Perón decidiu agir, tentando fortalecer o Partido Integralista brasileiro, de Plínio Salgado, que estava exilado em Lisboa. Integralistas foram convocados à Buenos Aires, onde foram convencidos de que o Brasil precisava aderir à política de neutralidade aplicada pela Argentina.

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Os integralistas Vicente Caruso e Jayr Tavares reuniram-se com Guillermo Lasserre Mármol, o nexo de Perón com a SD, para lhe dizer que estava dentro da intenção do integralismo contar com o apoio argentino para realizar um levante cívico-militar que derrubasse Getúlio Vargas e promovendo uma aliança com a Argentina. Posteriormente, um dos líderes integralistas, Rodrigues Contreras, veio à Buenos Aires passou aos argentinos valiosa informação sobre as bases americanas no Brasil.

Buenos Aires havia se transformado em um verdadeiro centro de peregrinação para os integralistas, dos quais também veio o major Jaime Ferreira da Silva, professor da Escola Militar, que alertou os argentinos sobre a possibilidade de um choque militar entre o Brasil e a Argentina estimulado pelos EUA.

Dessa visita ficou combinado que o integralismo realizaria uma vasta campanha propagandística a favor da Argentina dentro do Brasil, além da instalação de uma rede de colaboração de espiões. No entanto, apesar dos projetos, os avanços na colaboração entre Perón e os integralistas foi lenta, e pouco depois, a guerra terminou.

As informações sobre os contatos de Perón com os integralistas saíram à tona através dos interrogatórios a diversos espiões alemães no pós-guerra. Os espiões presos na Argentina, saíram da cadeia menos de uma semana depois que Perón chegou à presidência do país, em 1946, eleito pelo povo.

NAZISTAS REFUGIAM-SE NA ARGENTINA Um ano depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1946, Perón tomou posse da presidência do país, e abriu as portas do país à chegada de milhares de refugiados europeus, dos quais, milhares, obtiveram passaportes argentinos forjados. Entre eles, centenas de criminosos de guerra.

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"Não duvido que Martin Bormann (um dos braços-direitos de Hitler) tenha passado por aqui. Há muitas pistas sobre isso. Sei que encontraram o crânio dele em Berlim, mas não seria estranho que tivesse sido levado daqui para lá para forjar sua morte como se tivesse ocorrido em 1945", diz Goñi.

"Vieram enormes quantidades de oficiais da SS, cujos nomes não aparecem em nenhuma lista de processos", diz Goñi. "Comenta-se que entraram 50 mil alemães e austríacos depois da Guerra. Suspeito que desses haveria algumas dezenas de criminosos de guerra, incluindo também croatas, húngaros, franceses e belgas", diz.

Entre as figuras mais conhecidas, chegaram à Argentina o líder ustacha Ante Pavelic, Adolf Eichmann e Joseph Mengele. Também chegaram os propagandistas, como o colaboracionista francês Jacques de Maiheu, que teve influência no governo argentino até muito depois da queda de Perón.

Ele é o exemplo de como a "imigração nazista" teve uma perdurável influência na vida política da Argentina, e que não morreu junto com os "imigrantes". Quarenta anos depois de terminada a guerra, Mahieu exercia grande prestígio na direita peronista. Inspirado em suas idéias, foi criado o grupo Tacuara, que realizou ataques antissemitas nos anos 60. Em 1997, o então ministro da Justiça, Rodolfo Barra, teve que renunciar quando veio à tona seu passado de "tacuara".

Quando Adolf Eichmann foi enforcado em 1962 em Israel após ter sido sequestrado em Buenos Aires por um comando israelense, um grupo peronista planejou explodir a embaixada de Israel, em retaliação. O plano foi abandonado, mas exatamente trinta anos depois, um carro bomba destruiu a mesma embaixada.

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Mahieu também influenciou o violento líder "montonero" Rodolfo Galimberti, que a meados dos anos 70, confidenciou a um colega, orgulhoso: "Mahieu disse que poderei ser o próximo Führer".

DARRÉ Mas, a Argentina não só recebeu refugiados, antes, abasteceu a Alemanha nazista com altos funcionários. O argentino que atingiu o cargo mais elevado foi Ricardo Walter Oscar Darré, que se tornou ministro da agricultura de Adolf Hitler. Darré, junto com Alfred Rosenberg (nascido na Lituânia), foi autor das leis raciais que condenaram à morte milhões de judeus, ciganos e demais civis que ele considerava "inferiores".

Link para um artigo publicado no La Nación, de Uki Goñi, sobre Perón e os nazistas: http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=202431

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