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Os Hermanos

Por decreto Cristina Kirchner ordena "revisão" da História argentina (e uma pitada de Chopin e Horowitz)

 

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Por arielpalacios
Atualização:

Instituição que funcionará com fundos públicos revisará livros de História argentina.

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O governo da presidente Cristina Kirchner determinou que a revisão da História do país será uma atividade controlada pelo Estado argentino. Desta forma, por decreto, criou o "Instituto Nacional de Revisionismo Histórico Argentino e Ibero-americano Manuel Dorrego", que dependerá da Secretaria Federal de Cultura e funcionará com fundos públicos. A entidade que reescreverá os fatos da História argentina será comandada pelo historiador Mario 'Pacho' O'Donnel, um declarado admirador dos caudilhos argentinos. Ela também será integrada por ministros do gabinete presidencial, jornalistas alinhados com o governo e líderes políticos.

O decreto determina que o objetivo do instituto será o de "estudar, investigar e difundir a vida e obra de personalidades e circunstâncias destacadas" da História argentina "que não tenham recebido o reconhecimento adequado em um âmbito institucional". Além disso, estipula que o instituto "reivindicará a importância protagonista dos setores populares". No decreto, a presidente Cristina condena a História "escrita pelos vencedores das guerras civis do século dezenove".

O instituto ostentará o nome de Manuel Dorrego, governador da província de Buenos Aires em 1820 e novamente entre 1827 e 1828. O governador que foi fuzilado em 1828 (é considerado a primeira morte política da História da Argentina) fascinou a presidente Cristina, uma declarada fã do caudilho do século dezenove. Em diversas ocasiões Cristina comparou-se com Dorrego, afirmando que ela sofre "fuzilamentos midiáticos".

REVISIONISMO - Desde o início do governo do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007) a Casa Rosada criou novos feriados com alusões históricas. Esse foi o caso do feriado do dia 24 de março, o "Dia da Memória pela Verdade", para recordar a data do golpe militar de 1976. No entanto, o governo ignora a data em que o país voltou à democracia, o 10 de dezembro de 1983. Segundo a oposição, a data é menosprezada pelo governo Kirchner, já que o primeiro presidente civil da democracia foi Raúl Alfonsín, da União Cívica Radical, partido rival do peronismo de Cristina Kirchner.

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A presidente Cristina também reinstaurou o "dia da soberania nacional", para celebrar a batalha da "Vuelta de Obligado", ocorrida no dia 20 de novembro de 1845, quando a Argentina enfrentou uma frota franco-britânica no rio Paraná que pretendia obter a abertura internacional dessa via fluvial. Os invasores obtiveram uma vitória tática. No entanto, as forças aliadas fracassaram na empreitada comercial. Na ótica do governo Kirchner, a Argentina foi vitoriosa na batalha.

A Casa Rosada também promoveu a remoção de imagens dos presidentes da ditadura ainda remanescentes nos quartéis e colégios militares.

Além dessas mudanças, nos últimos anos o kirchnerismo incentivou manifestações contra a imagem do presidente Julio Argentino Roca (1880-86 e 1898-1904), que protagonizou a conquista da Patagônia, que incluiu o massacre de dezenas de milhares de indígenas. Roca, um conservador que admirava a Europa, é considerado um "genocida" por integrantes do governo, que defendem a retirada de suas estátuas em todo o país.

No entanto, a administração Kirchner considera o ditador Juan Manuel de Rosas (1835-52) um "herói", embora tenha protagonizado campanhas militares contra os indígenas do sul da província de Buenos Aires, com milhares de vítimas mortais, integrantes da tribo dos Ranqueles. Rosas também formou uma patrulha de choque, a "Mazorca", encarregada da intimidação e eliminação dos integrantes da oposição a seu regime.

O historiador Luis Alberto Romero afirma que o caso do feriado da batalha de Obligado é um sinal de uma atitude "paranoica e soberba": "soberba porque acredita-se que 'somos os melhores'. E paranoica porque considera que 'o mundo confabula para prejudicar-nos'. Aquilo que no passado foi uma 'confabulação' da Inglaterra, Brasil e Chile para impedir que a Argentina crescesse hoje foi substituído pela confabulação do imperialismo americano e o FMI".

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A socióloga Beatriz Sarlo disse ao Estado que existe uma "batalha cultural do kirchnerismo", que inclui "uma revisão dos fatos históricos do passado a favor de suas políticas atuais".

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REVISADOS E RE-REVISADOS

MANUEL DORREGO - Na historiografia tradicional Dorrego (1787-1828), governador bonaerense e virtual presidente argentino, era encarado como um líder de caráter "descontrolado"e "louco". Mas,Cristina Kirchner transformou-seem declarada fã do militar que participou das guerras de independência. A presidente encara a "loucura" de Dorrego como "irreverência" e o compara ao "irreverente e louco" ex-presidente NestorKirchner, seu marido morto em outubro de 2010.

JUAN MANUEL DE ROSAS - Governador da província de Buenos Aires evirtualpresidente argentino (1829-32 e 1835-52), Rosas foi considerado um "tirano" por grande parte da historiografia. O governo Kirchner intensificou a revisão de sua imagem iniciada nos temposde Juan Domingo Perón. O governo o considera o "primeiro grande nacionalista" argentino e lhe atribui sucesso (controvertido) no confronto com as potências internacionais da época, França e Inglaterra. Os documentários oficiais ignoram a atuação da "Mazorca", sua patrulha de choque, e o massacre de índios que protagonizou no sul da província. Depois de derrubado, Rosas partiu em exílio... para um dos países que havia criticado quando estava no poder, a Inglaterra.

DOMINGO FAUSTINO SARMIENTO - Sarmiento, presidente da Argentina (1868-74) era considerado pela historiografia tradicional como o incentivador da migração europeia e o pai da educação pública argentina. Há mais de um século que a data de sua morte é o dia do professor na Argentina. No entanto, a presidente Cristina, que sempre recusou-se a participar de cerimônias nesse dia, encara Sarmiento como um "europeizante" que desprezava a cultura local. Além disso, critica a repressão que exerceu sobre os últimos caudilhos rebeldes, os quais ela considera os verdadeiros "nacionalistas".

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EVA PERÓN - Os historiadores oficiais omitem - ou relativizem - o respaldo de Evita ao regime do ditador espanhol Francisco Franco e o apoio aos criminosos de guerra nazistas que fugiam do derrotado Terceiro Reich para destacar apenas sua luta pelas leis sociais argentinas. Evita é considerada pelos historiadores kirchneristas uma precursora do "progressismo" argentino. Os historiadores tradicionais consideravam Evita o braço-direito de Perón. No entanto, a versão oficial atualmente a equipara em importância ao marido presidente. Nos últimos meses o governo estimulou a realização de um longa-metragem de desenhos animados sobre a vida de Evita e construiu um mega-mural com sua efígie em pleno centro portenho.

NÉSTOR KIRCHNER - A figura do próprio ex-presidente foi reciclada pela Historiografia oficial, que omite informações sobre a falta de ação de NestorKirchner durante a ditadura na defesa dos presos políticos, ao contrário de outros colegas advogados que assinavam hábeas corpus. O govermo criou a imagem de Kirchner comoum ativo militante peronista nos anos 70 e omite que fez fortuna com a execução de hipotecas de pessoas falidas durante a ditadura. Os responsáveis pelo controle dos meios de comunicação estatais consideram Kirchner uma figura equiparável a do próprio Perón, fundador do peronismo, partido do casal Kirchner. O historiador Marcos Novaro afirma que "o plano para transformar Kirchner em mito é uma política de Estado".

Recentemente, Juan Abal Medina, secretário de Comunicação da presidente Cristina,afirmou em entrevista ao jornal "Miradas al sur" que Kirchner era um "espetacular" pianista. Medina disse que ficou sabendo disso quando uma noite em Caracas, durante a crise colombiana-venezuelana, foi chamado por Kirchner a seu quarto no hotel. Medina abriu a porta e viu Kirchner sentado ao piano de cauda no meio de um grande quarto tocando Mozart.

"Não sabia que você tocava", disse Medina surpreso. "Por qual motivo vou contar que toco piano se ninguém vai acreditar?", respondeu o ex-presidente. Depois, Kirchner calou-se e continuou tocando noite adentro.

E falando em pianistas, vamos com nosso polonês preferido, Fryderyk Franciszek Chopin (1810-1849), e sua Fantasie-Improptu op.66.

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Esta foi a última gravação de Vladimir Horowitz, no dia 1 de novembro de 1989. Aqui.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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