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Os Hermanos

Programa sobre corrupção dos Kirchners teve mais audiência do que jogo do Boca

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Por arielpalacios
Atualização:

A corrupção tem um marco na arquitetura portenha. Trata-se do colossal edifício que nos anos 40 albergou o antigo Ministério de Obras Públicas e que atualmente é a sede da pasta de Ação Social. O prédio ostenta em uma de suas esquinas o único 'monumento à propina' conhecido no planeta. É estátua de um homem que, com pouca sutileza, coloca os dedos abertos estratégicamente para o lado, na espera de uma "molhada de mão". O arquiteto colocou a estátua como recado futuro sobre as eventuais negociatas que seriam protagonizadas no edifício. O detalhe da mão passou desapercebido durante anos (foto de Ariel Palacios).

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Há duas semanas o governo Kirchner anunciou que alteraria o horário dos jogos noturnos dominicais em uma hora, coincidindo com o programa comandado por Jorge Lanata. Desde o final dos anos 80 o jornalista investigativo é autor da denúncia de uma série de escândalos de corrupção dos diversos governos argentinos.

Integrantes do governo Kirchner admitiram publicamente que a mudança era por uma disputa de audiência contra o programa, transmitido pelo Trece, que pertence ao Grupo Clarín, principal holding multimídia da Argentina, considerado "inimigo mortal" pela Casa Rosada.

A expectativa, nos dias prévios, era a de que o esporte favorito da população ganharia a luta pela audiência. No entanto, enquanto que o jogo do Boca obteve picos de 17,2% entre os telespectadores, o programa de Lanata alcançou 28,1%.

Lanata, famoso por sua ironia, estava vestido como um jogador de futebol, contava com dois locutores esportivos famosos e a plateia estava em uma arquibancada como a de um estádio.

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O governo Kirchner possui poder para alterar os horários do futebol, já que em 2009 estatizou as transmissões dos jogos. O acordo foi amplamente benéfico para os clubes de futebol, que em troca obtiveram US$ 1,06 bilhão do Estado argentino nos últimos três anos.

Em fevereiro de 2010 o governo proibiu as publicidades de empresas privadas. De lá para cá as únicas publicidades são as do governo Kirchner. Os vídeos consistem em elogios à administração da presidente Cristina e críticas contra a oposição e empresários não-alinhados com a Casa Rosada.

"Corrupt legislation". Mural de 1896 Elihu Vedder, no hall da principal sala de leitura da Biblioteca do Congresso, no Thomas Jefferson Building, Washington, EUA. A figura central tem uma cornucópia virada para ela própria, enquanto recebe uma propina na balança da Justiça.

Os aliados do governo Kirchner destacam que a atual administração é uma das melhores da História do país, equiparando Néstor e Cristina Kirchner ao fundador do movimento peronista, o general e presidente Juan Domingo Perón, figura reverenciada pelos peronistas. No entanto, seus críticos afirmam que o kirchnerismo está "destruindo as instituições democráticas" e que os escândalos de corrupção atingem níveis nunca antes vistos.

Sem sutilezas, a deputada Laura Alonso, do partido Proposta Republicana (Pro), de oposição, define a presidente Cristina Kirchner como "a líder de uma cleptocracia populista". Segundo ela, em comparação com períodos anteriores, como os anos 90, do ex-presidente Carlos Menem, "na era kirchnerista os protagonistas que roubam são menos...mas roubam maior volume".

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Alonso, uma das deputadas mais combativas no Parlamento argentino, sustentou ao Estado que o casal Kirchner utilizou "os mecanismos de acesso ao poder, previstos pelo regime democrático e representativo, para destruir todos os controles republicanos e institucionais". Segundo ela, "este é um governo com muito discurso e 'packaging'. Ora, a presidente ignorou várias vezes determinações da Corte Suprema de Justiça. Isso não é um governo republicano. Além disso, o governo falsifica estatísticas. E de quebra, tenta acabar com o federalismo, pois não libera os fundos para as províncias e obriga os governadores a se ajoelhar para pedir as verbas. É autoritarismo fantasiado de discurso democrático".

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Na contra-mão, o ex-chanceler Jorge Taiana, ministro do governo Kirchner entre 2005 e 2010, sustenta que a atual administração é plena de méritos. Avaliando para o Estado os "prós" e os "contras" da década administrada por Néstor e Cristina Kirchner, Taiana afirmou, ao sair de um cocktail na Embaixada do Brasil, que "o principal mérito foi o de ter tirado a Argentina do inferno da crise. E além disso o governo tem o mérito de ter avançado na reconstrução do tecido produtivo e do Estado argentino".

Segundo Taiana, o governo também "colocou em dia a defesa dos direitos humanos, crucial para ter uma democracia sólida". O ex-chanceler também destacou "a consolidação da integração regional".

"Esses foram os 'prós'. Os 'contras' não são 'contras', são coisas que faltam ainda fazer, como avançar muito mais na integração regional. Neste mundo não há chances de crescer sem mais integração com os países vizinhos", afirmou Taiana.

"Este governo é uma cleptocracia populista", sustenta a deputada Laura Alonso. Foto de Claudio Herdener.

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Fundos de Santa Cruz (desde 2003): Nos anos 90 o então governador de Santa Cruz, Néstor Kirchner, enviou US$ 500 milhões para o exterior. Com o dinheiro fora do país, a província salvou-se do "corralito" (confisco bancário) de 2001 e a crise financeira de 2002. Kirchner prometeu que, quando fosse eleito presidente, o dinheiro voltaria ao país. Ele tomou posse em 2003. Mas os fundos somente voltaram entre 2007 e 2009. A oposição afirma que existem outros US$ 500 milhões em juros sobre os quais nada se fala e que não voltaram ao país.

Caso Skanska (2005): Escândalo que envolve empreiteiras argentinas e estrangeiras, entre elas a sueca Skanska, no superfaturamento das obras de dois mega-gasodutos no sul e norte da Argentina. O principal suspeito do affaire é o Ministro do Planejamento Julio De Vido. As denúncias indicam subornos pelo valor de US$ 5 milhões.

Trem-bala (2006): A Oposição acusa os Kirchners de graves irregularidades no contrato que o governo assinou com a empresa francesa Alstom para a construção do controvertido trem-bala argentino. O governo dizia que o custo da obra seria de 2,5 bilhões de euros. Mas, a Oposição afirmava que os contratos, da forma como foram elaborados, implicariam em um custo três vezes superior ao orçamento oficial. O projeto foi suspenso.

"Caso da Mala" (2007): Suposto envio de fundos de Chávez para a campanha eleitoral de Cristina Kirchner em 2007. Existem pistas sobre o envio de pelo menos US$ 5 milhões.

Enriquecimento ilícito (desde 2008): A oposição, advogados independentes e a mídia acusam os Kirchners de enriquecimento ilícito. Eles afirmam que o crescimento de mais de 1.000% do patrimônio presidencial desde 2003 não tem justificativas contábeis lógicas. A presidente Cristina argumenta que seu enriquecimento deve-se aos investimentos em imóveis o fato de ter sido "uma advogada de sucesso".

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"Embaixada paralela" (2010): O ex-embaixador argentino em Caracas, Eduardo Sadous, denunciou na Justiça que integrantes do governo da Venezuela e da Argentina durante vários anos exigiram a empresários exportadores de ambos países o pagamento de propinas de 15% a 20% para não causar obstáculos em suas operações de comércio bilateral. Segundo o ex-embaixador as pessoas envolvidas na exigência da propina referiam-se a ela como um "pedágio".

Caso Ciccone (2011): A Companhia Sul-Americana de Valores, a ex-Ciccone, tornou-se o foco do escândalo em dezembro passado quando investigações jornalísticas, posteriormente aprofundadas pela Justiça, revelaram pistas que indicariam que o vice-presidente Amado Boudou teria favorecido amigos seus na compra da gráfica, que há poucos anos estava aponto de falir. Depois, Boudou teria ajudado os amigos a obter o contrato de impressão de notas de 100 pesos. Boudou tornou-se suspeito de enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e negociações incompatíveis com a figura de funcionário público.

Caso Báez (2013): O empresário Lázaro Báez tornou-se em abril no pivô do mais recente escândalo de corrupção do governo Kirchner, quando o programa "Jornalismo para todos", do canal Trece, divulgou uma câmera oculta na qual um financista, Leonardo Fariña, revelava operações de lavagem de dinheiro que o empresário realizava com a suposta cumplicidade do ex-presidente Kirchner, morto em 2010. A deputada Elisa Carrió, líder da Coalizão Cívica, de oposição, sustenta que "Cristina é a verdadeira dona da fortuna de Báez".

Báez - protagonista de um escândalo de lavagem de dinheiro de 55 milhões de euros - foi sócio do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) em empreendimentos de construção civil na cidade de Rio Gallegos, capital da província de Santa Cruz, governada pelo kirchnerismo desde 1991. A afirmação foi feita pelo jornalista investigativo Jorge Lanata em seu programa de TV "Jornalismo para todos", que exibiu documentos que provam que Báez e Kirchner tiveram uma sociedade em 2005.

Lanata - um dos referenciais do jornalismo argentino, que nos anos 80 fundou o jornal "Página 12" - também comprovou que a presidente Cristina Kirchner tinha um fundo fiduciário vinculado à Austral Construções, empresa de Báez, que é indicado como virtual testa de ferro do ex-presidente, que morreu em 2010. Báez é o dono da empresa Atlântico Sul, que possui um hangar onde atualmente está estacionado o avião presidencial Tango 01.

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Báez e seu filho Martín foram beneficiados com tratamento preferencial em diversas obras públicas no país. Ao longo da última meia década suas empreiteiras receberam do governo federal e da província de Santa Cruz US$ 1 bilhão por obras realizadas no feudo político dos Kirchners no sul do país. Segundo os jornalistas investigativos argentinos, a relação de Báez com Kirchner era tão estreita que ele nunca precisou intermediários para falar com o ex-presidente. Câmeras ocultas feitas por Lanata mostram diversos financistas confessando que Kirchner sabia das "negociatas" financeiras do empresário, entre elas, o envio de dinheiro ao exterior, especialmente ao Panamá e Belize.

Báez é um dos vários empresários amigos dos Kirchners cujas fortunas cresceram de forma acelerada desde que o casal presidencial chegou ao poder em 2003. Nesse ano, por sugestão de Kirchner, Báez fundou sua empreiteira.

Atualmente é o dono das maiores empresas de construção civil da Argentina e possui 82% do total dos contratos de obras públicas em Santa Cruz. Além da construção civil possui empresas na área petrolífera e mídia.

Em 2010 o empresário deu de presente à viúva Cristina o mausoléu de onze metros de altura feito com granito e mármore onde está enterrado o ex-presidente Kirchner. O monumental lugar de repouso eterno do ex-presidente pode ser visto a vários quarteirões de distância nas ruas da pacata Rio Gallegos. A obra foi batizada popularmente de "a pirâmide de Quéops patagônia".

O genial Joaquín Lavado, a.k.a. Quino, ironiza o sistema de corrupção e a impunidade.

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Coima - Suborno preparado, organizado. "Propina", em espanhol, é usado para "gorjeta".

La Banelco - Alusão à "Banelco", marca de um cartão de débito bancário. Surgiu no ano 2000, quando o então ministro do Trabalho, Alberto Flamarique, teria afirmado que resolveria um impasse sobrea votação da polêmica Lei Trabalhista no Senado com "La Banelco". Ou seja, pagando aos senadores. O termo, usado de forma geral para o pagamento de subornos em empresas e governo, voltou a ser aplicado no caso da suposta compra de votos na Câmara de Deputados por parte do governo de Cristina Kirchner.

Diego - Alusão a "El Diez" (O Dez), apelido do ex-astro do futebol, Diego Armando Maradona. Mas, neste caso, o "Diego" refere-se ao 10% de alguma quantia em jogo. Uma espécie de dízimo periódico. A porcentagem ficou defasada.

Celular - Alusão ao prefixo "15" dos telefones celulares na Argentina, e por tabela, referência à comissão de 15% que diversos ministros cobrariam de empresários. Esta porcentagem também ficou defasada.

Sobre - "Sobre" é "envelope". Os subornos são enviados em envelopes.

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Segundo Clemenceau, a economia da Argentina só cresce porque de noite os políticos e empresários estão dormindo e não podem roubar

Um levantamento feito pelo Estado, junto com dados da KPMG e informações empresariais, indicou que os pedidos de propinas, que nos anos 80 eram de 6%, na década de 90 - em plenas privatizações do governo do presidente Carlos Menem - subiram para 10% (esta porcentagem era ironicamente chamada de "Diego", em alusão à camisa número 10 de Maradona).

Em 2003, poucos meses após a posse do presidente Néstor Kirchner, a proporção havia subido para 15%.

Em 2009 os empresários precisavam desembolsar 20% para esquivar problemas com os funcionários públicos.

No final de 2011, o jornalista Luis Majul, autor de "O Dono", obra que disseca a corrupção na Era Kirchner, disse ao Estado que os pedidos de propina já passaram dos 20% e estão em 22% ou 23%. "Infelizmente, na administração Kirchner, a corrupção tornou-se um elemento a mais na política do governo", afirmou na ocasião.

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- "Para que a Argentina progrida, a gente tem que deixar de roubar pelo menos durante dois anos" (Luis Barrionuevo, um dos principais líderes sindicais do país).

- "Neste país ninguém faz dinheiro trabalhando" (Luis Barrionuevo, sindicalista).

- "Se fosse pelos antecedentes penais e judiciários, não sobraria ninguém no país" (José Luis Manzano, Ministro do Interior no governo Menem).

"A economia da Argentina só cresce porque de noite os políticos e empresários estão dormindo e não podem roubar. E enquanto isso, à noite o trigo cresce e a vacas fornicam com luxúria" (estadista francês Georges Clemenceau, após sua visita à Buenos Aires no começo do século vinte).

O edifício de "El sobornado", na esquina da avenida 9 de Julio e a rua Moreno, no bairro de Monserrat (foto de Ariel Palacios).

 
 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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