arielpalacios
15 de julho de 2014 | 14h29
Presidente Cristina Kirchner recebe oficialmente os vice-campeões da Copa do Mundo. Ou, campões segunda a presidente argentina.
“Neste domingo vocês, jogadores da seleção ganharam o jogo!”. A exclamação, uma paradoxal afirmação sobre o jogo que terminou em derrota para a Alemanha, foi proferida nesta segunda-feira pela presidente Cristina Kirchner ao receber os integrantes da seleção argentina nas instalações da Associação de Futebol da Argentina (AFA) no município de Ezeiza, na Grande Buenos Aires. Após conceder de forma extraoficial a Copa à seleção de seu país, a presidente sustentou que o time havia tido “garra” e “emoção”. Sem entrar em detalhes, Cristina também sustentou que a seleção havia recuperado “valores esquecidos” pela sociedade argentina e que os jogadores “defenderam as cores (da bandeira) com orgulho. São leões!”
A presidente, ao vivo pela TV, falava no centro de um cenário, rodeada pelos jogadores, enquanto ia chamando “los muchachos” (os rapazes) para falar, como se fosse um programa de auditório.
Cristina – que admitiu que não assistiu jogo algum durante a Copa – também forneceu conselhos médicos, como o dado a Gonzalo Higuaín, em referência às diversas contusões que teve nos jogos: “seriam bom você fazer uma resonância magnética”. Deixando o tom maternal de lado chamou Enrique “El Pocho” Lavezzi: “Lavezzi, cadê você? Vem aqui, dizem que você é o novo sex symbol do país…”.
Os analistas políticos indicavam que ontem, o primeiro dia após o encerramento da Copa, era “a segunda-feira das segundas-feiras”, em alusão à volta drástica à realidade política e econômica cotidiana.
Desta forma, sem a vitória na Copa, dissipa-se o denominado “Efeito Messi”, referência ao alívio que a conquista eventual do troféu teria propiciado ao governo Kirchner, afetado por escândalos de corrupção, especialmente o processo contra o vice-presidente Amado Boudou. Além disso, volta ao foco da mídia e da opinião pública a polêmica negociação da dívida pública com os “holdouts”, denominação dos credores que possuem bônus em estado de calote desde 2001 e que não aceitaram as reestruturações da dívida feitas pelo governo Kirchner em 2005 e 2010.
Do pintor francês Jean-Léon Gérôme (1824-1904), a emblemática obra “Police Verso” (Polegares para baixo) que retrata o “panem et circenses” (pão e circo) do Império Romano. O quadro está no Phoenix Art Museum, Arizona, EUA.
FUTEBOL E PODER – O governo da presidente Cristina Kirchner possui laços estreitos com a atividade futebolística argentina, praticamente subsidiada pelo Estado argentino desde 2009, ano no qual o governo estatizou as transmissões dos jogos de futebol. Nos últimos quarto anos e meio o governo Kirchner destinou US$ 1 bilhão às transmissões estatizadas, denominadas de “Futebol para todos”. Só neste ano a presidente desembolsará US$ 123 milhões. Além destes fundos, pagos à Associação de Futebol Argentino (AFA) e aos clubes que integram a entidade esportiva, a Casa Rosada também pagou US$ 24 milhões adicionais para a transmissão dos jogos da Copa do Mundo do Brasil pela estatal TV Pública.
As únicas publicidades que os telespectadores argentinos assistem durante os jogos (inclusive nas transmissões da Copa) foram propagandas do governo Kirchner sobre as obras da presidente Cristina. O governo, além de fazer autoelogios, eventualmente também emite publicidades com críticas aos partidos da oposição e a empresas não-alinhadas com a política da Casa Rosada.
O contrato que transforma a Casa Rosada em virtual sócio da AFA vence em 2019.
PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra). Em 2013 publicou “Os Argentinos”, pela Editora Contexto, uma espécie de “manual” sobre a Argentina. Em 2014, em parceria com Guga Chacra, escreveu “Os Hermanos e Nós”, livro sobre o futebol argentino e os mitos da “rivalidade” Brasil-Argentina.
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