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Os Hermanos

Sem carta de despedida...mas com lista de supermercado (os pontos sui generis sobre o promotor que denunciou a presidente Cristina e acabou com um tiro no parietal direito)

Por arielpalacios
Atualização:

Promotor Alberto Nisman, morto com um tiro na cabeça (suicídio, segundo governo e aliados), não deixou carta de despedida. No entanto, deixou lista de compras de supermercado para a empregada doméstica. 

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Nisman planejava dar detalhes sobre as provas que possuía e que - segundo ele - fundamentavam suas acusações sobre o suposto encobrimento, por parte da Casa Rosada, do envolvimento de altas autoridades iranianas na organização do atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em Buenos Aires em 1994.

No entanto, Nisman nunca conseguiu dar as informações que tinha. Seu corpo foi descoberto na noite de domingo com um tiro na cabeça. Seu corpo estava no banheiro de seu apartamento no bairro de Puerto Madero.

Integrantes do governo Kirchner rapidamente sugeriram que Nismam "suicidou-se". A promotora Viviane Fein especula que poderia estar "deprimido" e "estressado". Representantes da oposição especulam sobre um eventual "assassinato" ou um "suicídio induzido". Seus amigos e parentes afirmam que estava de "´ótimo humor" e entusiasmado com a apresentação das provas que faria na segunda-feira.

A morte do promotor esteve coalhada de pontos sui generis desde o domingo...e as peculiaridades prosseguem nestes dias.

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1 - Guarda-costas: Nisman contava com 10 guarda-costas. Mas, nenhum deles estava posicionado na frente do apartamento onde morava, no décimo-terceiro andar do prédio onde residia em Puerto Madero. No fim de semana de sua morte os homens estavam posicionados na calçada, na frente do prédio.

2 - Tempus Fugit: No sábado Nisman pediu aos guarda-costas que fossem buscá-lo no domingo às 11:30. Os homens da Polícia Federal chegaram pontualmente e esperaram o promotor na calçada. Nisman não aparecia. Duas horas depois telefonaram ao promotor, que não atendia o telefone. Sem obter resposta, subiram até o décimo-terceiro andar e viram que os jornais estavam na porta do apartamento. Isto é, Nisman não os havia recolhido. Na sequência, às 14:00 horas telefonaram à secretária de Nisman, que os colocou em contato com a mãe do promotor.

Os guarda-costas deslocaram-se até o outro lado da cidade, no bairro de Núñez, para buscar a mãe de Nisman e leva-la até o apartamento com sua chave.

O horário da morte de Nisman, segundo os médicos legistas, foi às 15:00. Isto é: nesse período de telefonemas dos policiais o promotor ainda estava vivo.

A mãe de Nisman chegou com os policiais no prédio às 17:30. No entanto, subiram às 19:00. Na segunda-feira afirmaram que a porta dos fundos estava trancada por dentro e não puderam abri-la (a outra porta tinha um código eletrônico que ela não recordava). Não tentaram derrubar as duas portas.

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Os homens da Polícia Federal optaram por recorrer à ação prosaica de chamar um chaveiro. Desta forma, 7:30 horas depois do momento marcado com Nisman para esperá-los na calçada, os policiais finalmente conseguiram entrar no apartamento.

Mas nesta quarta-feira o chaveiro revelou que a porta de serviço do apartamento "estava fechada, mas sem trancar com chave".

Segundo o profissional, Walter (o sobrenome não foi revelado), "qualquer pessoa poderia ter aberto essa porta", indicando a facilidade que teve no domingo para entrar no apartamento: "coloquei na fechadura a chave da mãe (de Nisman), dei um empurrãozinho... e abri". 

A declaração contradiz a versão oficial de "portas trancadas com chave".

3 - Porta fechada/aberta: Desde a segunda-feira a Polícia afirmou que o apartamento tinha apenas duas vias de acesso, isto é, a porta da frente e a porta de serviço. No entanto, nesta quarta-feira as forças de segurança tiveram que admitir que a residência do promotor tinha, na realidade, três portas.

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A terceira porta (que não havia sido localizada oficialmente até ontem) dá acesso a um corredor que liga a casa de Nisman com o apartamento vizinho. Nesse corredor exíguo, onde estão instalados os equipamentos de ar condicionado do décimo-terceiro andar, os investigadores descobriram uma pegada e uma impressão digital recente.

4 - Calibres 22 e 32 - Nisman tinha posse legal de uma arma calibre 32. No entanto, segundo o governo, teria pedido uma arma emprestada a um assessor, com a qual - de acordo com a versão oficial - suicidou-se. A arma era de potência menor, uma Bersa Thunder calibre 22. Este dado chamou a atenção, já que os suicidas geralmente optam por armas de maior calibre para ter certeza da morte.

5 - Sem pólvora na mão: A promotora Viviana Fein, encarregada da investigação sobre a morte do promotor federal Alberto Nisman admitiu na terça-feira que os testes feitos durante a autópsia indicaram que não existiam vestígios de pólvora na mão do colega, que faleceu com um tiro na cabeça no domingo à tarde. Na véspera, segunda-feira, Fein havia indicado que tratava-se de um suicídio e que a mão direita de Nisman havia apertado o gatilho da arma calibre 22. Na ocasião, descartou a participação de "terceiras pessoas". Mas, nesta terça-feira, Fein gerou polêmica com um inesperado advérbio de modo: "lamentavelmente, deu negativo..mas isso não descarta que ele tenha feito o disparo".

Mais tarde, a promotora acrescentou categórica: "foi um suicídio, mas não sabemos o motivo".

6 - Entusiasmado, não deprimido: Nisman estava entusiasmado com a apresentação das provas que realizaria perante os deputados na segunda-feira. Misteriosamente, morreu 24 horas antes dessa apresentação, que seria crucial para avançar na denúncia contra a presidente Cristina Kirchner. O promotor havia agendado várias entrevistas com jornalistas para realizar durante esta semana.

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7 - Sem carta de despedida mas com lista de supermercado:  Nisman, segundo a Polícia, não deixou carta de despedida. No entanto, deixou em cima da mesa um recado à empregada doméstica, que viria na segunda-feira, com a lista de compras a fazer no supermercado. Isto é, o promotor, poucas horas antes de "suicidar-se" dedicou tempo para as compras de supermercado para ter em casa...na hora em que já estivesse morto.

8 - Foto de trabalho: No sábado, para ilustrar como estava ocupado com a preparação de sua apresentação na Câmara de Deputados, Nisman enviou uma foto de sua mesa de trabalho em seu apartamento para Waldo Wolf, vice-presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA), o braço político da comunidade judaica argentina. Na foto aparecem os documentos que iria apresentar e diversas canetas hidrocor.

9 - Berni, homem da denunciada: Um dos homens de confiança da denunciada (a presidente Cristina), o secretário de segurança Segio Berni, chegou à cena da morte às 23:08 horas. Rapidamente armou um esquema de segurança ao redor do prédio de Nisman. Os médicos do sistema Sistema de Atenção Médica de Emergências (SAME) foram impedidos de entrar, na contra-mão da lei, que indica que no caso de pessoas envolvidas com armas de fogo, este médicos devem ter acesso imediato ao lugar do evento. Berni permitiu a entrada dos médicos às 23:26. Mas, não permitiu que vissem o corpo. Nunca foi divulgado qual foi o médico (e de onde veio) que, no apartamento, certificou a morte de Nisman.

O próprio Berni admitiu em entrevista à TV que não deixou que pessoa alguma entrasse no banheiro onde estava Nisman. "Eu não entrei no banheiro nem deixei pessoa alguma entrar", relatou.

Berni também indicou que não lembrava a hora na qual havia entrado no edifício de Nisman.

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10 - Promotora sem perguntas: Quando a promotora Fein chegou ao apartamento de Nisman na madrugada da segunda-feira, a Polícia Federal já estava trabalhando no lugar. A Polícia Federal obedece às ordens de Berni, que por seu lado obedece à presidente Cristina, a denunciada pelo morto.

DENÚNCIA SOBRE CRISTINA KIRCHNER, HÉCTOR TIMERMAN E OUTROS - Na quarta-feira da semana passada Nisman havia denunciado a presidente Cristina e o chanceler Timerman pela suposta negociação em 2012 de "um plano de impunidade e de encobrimento dos fugitivos iranianos acusados" do ataque terrorista contra a AMIA. A Justiça argentina considera culpados do atentado o presidente do Irã na época, Ali Akbar Rafsanjani; o ex-chanceler Ali Akbar Velayati; o ex-ministro de Inteligência, Ali Fallahijan; o ex-chefe chefe da Guarda Revolucionária, Mohsen Rezai; o ex-chefe da Força Quds e ex-ministro da Defesa, Ahmad Vahidi; além de outros três diplomatas.

Segundo o promotor, em troca da operação de impunidade a Casa Rosada conseguiria acordos comerciais com o Irã, especialmente para as exportações de carne e oleaginosas Made in Argentina. Na contra-mão a Argentina receberia petróleo iraniano, insumo crucial para driblar a crise energética que o país padece desde 2004.

A fachada deste pacto, afirmava o promotor, era o acordo formal com o Irã, anunciado em 2013 pelo governo Kirchner, que implicava na criação de uma "Comissão da Verdade" entre Buenos Aires e Teerã. Na época o acordo foi criticado pela oposição e a comunidade judaica, que definiu como "absurda" a decisão da presidente Cristina de ignorar as decisões da Justiça argentina (que já havia condenado os iranianos à revelia) e de pedir colaboração a um governo acusado de ter feito o atentado.

O Congresso argentino aprovou o acordo com o Irã. Mas em Teerã nunca foi aprovado pelo Parlamento local. Além disso, a Comissão da Verdade nunca foi ativada nos dois países.

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O promotor afirmava que contava com gravações de conversas telefônicas que evidenciavam a participação do deputado Andrés Larroque (líder de "La Cámpora", denominação da juventude kirchnerista) e outros aliados do governo nas negociações com o Irã. Nisman havia pedido o inquérito de Cristina e de Timerman. "A presidente decidiu" a operação de encobrimento dos iranianos, disse Nisman na semana passada.

Escombros do edifício da AMIA após o atentado de 1994

IMPUNIDADE EM DOIS ATENTADOS NA ARGENTINA

O cogumelo de fumaça da explosão - a apenas 20 quarteirões da Casa Rosada, o palácio presidencial - pode ser visto desde vários pontos da cidade.

Às 9:53 horas do dia 18 de julho de 1994, na área do bairro de Balvanera informalmente conhecido como "Once", outro atentado, realizado supostamente com uma camionete Trafic carregada de trotyl, destruiu a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), provocando a morte de 85 pessoas, além de 300 feridos, transformando-se no maior atentado realizado na História da América Latina.

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Nenhum grupo terrorista assumiu oficialmente a autoria dos dois atentados. No entanto, a Justiça argentina acusa o governo do Irã de ter organizado o ataque da Amia em conjunto com o Hizbollah. Além disso, haveria uma conexão argentina, hipoteticamente formada por integrantes da Polícia Bonaerense e de grupos cara-pintadas (militares que protagonizaram rebeliões nos quartéis nos anos 80).

Em 2006 a Argentina solicitou à Interpol a captura internacional de diversos iranianos que integravam o governo de Ali Akbar Rafsanjani, presidente do Irã na época dos dois atentados. Entre as figuras que a Justiça em Buenos Aires quer colocar no banco dos réus pela acusação de organizar o ataque contra a Amia está Ahmad Vahidi, que em 1994 ocupava o posto de comandante da Força Quds e que posteriormente foi ministro da Defesa do governo de Mahmoud Ahmadinejad.

Nos anos 90 a Argentina era considerada um alvo fácil para um ataque terrorista, devido à baixa vigilância de suas fronteiras. Além disso, era um alvo interessante para o terrorismo fundamentalista, já que possui a maior comunidade judaica da América Latina.

E um pouco de Duke Ellington para embalar esta jornada: a trilha jazzística de "Anatomy of a murder", de Otto Preminger:

//www.youtube.com/embed/cntm7j6R1G0

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Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra). Em 2013 publicou "Os Argentinos", pela Editora Contexto, uma espécie de "manual" sobre a Argentina. Em 2014, em parceria com Guga Chacra, escreveu "Os Hermanos e Nós", livro sobre o futebol argentino e os mitos da "rivalidade" Brasil-Argentina.

No mesmo ano recebeu o Prêmio Comunique-se de melhor correspondente brasileiro de mídia impressa no exterior.

 
 

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