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Blog dedicado aos assuntos chineses e ao tabuleiro militar, econômico e social da região

Chegada à praça é experiência sufocante

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Por Felipe Corazza
Atualização:

A primeira visita à Praça Tiananmen é uma experiência sufocante. As dimensões faraônicas do local, a arquitetura de traços soviéticos dos prédios que ficam na praça em contraste com o traço chinês do Portão da Paz Celestial, câmeras de vigilância por todos os lados e a figura central do retrato de Mao Tse-tung impõem ao visitante uma certeza: nós somos mais fortes do que você. Muito mais fortes. Não faça besteira.

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Pisei pela primeira vez na praça poucos dias após minha chegada a Pequim em janeiro de 2008. A caminho, ainda no trem do metrô, imaginei encontrar um lugar imponente, vigiado e hostil, apesar de todo o interesse turístico. Mas nenhuma impressão prévia é capaz de dar ao visitante uma ideia do que se verá no final da escadaria de uma das duas estações de metrô que chegam à praça.

O primeiro olhar busca diretamente o retrato do "grande timoneiro". Encontrá-lo não é difícil, mas isso não reduz o impacto de estar, finalmente, em um dos lugares mais icônicos dos últimos 50 anos. Achado o retrato e o Portão da Paz Celestial que o sustenta, a primeira visita torna-se um momento caótico. Para onde caminhar? Não é possível definir logo. É muito espaço, os prédios são todos extremamente vigiados e ficar parado por muito tempo com cara de perdido pode significar uma aproximação não muito amigável de policiais interessados em acabar com possíveis focos de protesto. É melhor andar.

Passado um tempo, percebe-se que não é tão simples quanto parecia encontrar o cenário de uma das imagens mais importantes do século XX: o ponto da avenida onde o "homem do tanque" desafiou os militares e parou uma coluna inteira de blindados apenas com sacolas de compras nas mãos. Não é o ponto turístico clássico, por motivos óbvios. Ninguém vendendo suvenires do "feito". Ali, em 1989, "nada aconteceu", como diz a piada contada por dissidentes que chegou a ser reproduzida até em um episódio dos Simpsons. Todo o sentimento sobre o massacre é de inteira responsabilidade do visitante - e é prudente não demonstrar qualquer inclinação a rememorar o que "não aconteceu" nas redondezas.

Visitando a praça mais vezes, caminhando pela região e passando por ali com certa frequência, o sentimento de estranheza diminui, apesar de nunca sumir por completo. Perto do Museu Nacional, lojas de bugingangas e restaurantes dão uma feição um pouco mais humana ao mar de concreto que circunda o mausoléu onde repousa a múmia de Mao. No miolo da praça, fotógrafos ambulantes se oferecem para registrar os momentos especiais dos turistas - milhares de visitantes de diversas regiões da China fazem diariamente uma peregrinação à praça.

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Com o tempo, surge a vontade de presenciar a cerimônia de hasteamento da bandeira chinesa que acontece todos os dias ao nascer do Sol. Acorda-se cedo, veste-se roupas para o frio e chega-se à praça. A cerimônia é bonita, mas deixa um gosto amargo na boca. Os passos sincronizados da marcha dos soldados que levam o pavilhão chinês desde o interior do Portão da Paz Celestial até o mastro que fica no lado oposto da avenida ecoam pela praça. Difícil manter a concentração sem lembrar do que aconteceu - ou não aconteceu, dependendo do ponto de vista - em 1989.

Depois de visitas suficientes, a praça torna-se mais um lugar a se observar da janela do táxi no caminho de volta para casa em um momento ou outro. Mesmo assim, a cada visita, a respiração se altera um pouco. Especialmente quando o táxi vai se aproximando do Beijing Hotel e passa perto da área onde o "tank man" ajudou a mudar o rumo da história do mundo. Os passos do desconhecido mais conhecido do mundo diante dos tanques ainda não deixam em paz quem tenta compreender o que é a Praça Tiananmen. E certamente alteram a respiração de alguns dos que ocupam os carros oficiais do governo chinês que, obrigatoriamente, passam pela avenida Chang'an a caminho da sede do governo em Zhongnanhai.

 

 

 

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