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Contra Coreia do Norte, Trump precisa olhar para Putin

Proximidade de Moscou com Pyongyang tem aumentado, enquanto Pequim demonstra crescentes sinais de irritação com o regime dos Kim

Por Felipe Corazza
Atualização:

Em uma de suas recentes investidas sobre política internacional pelo Twitter, o presidente eleito americano, Donald Trump, aprofundou as provocações feitas à China - mais um episódio na escalada de atrito entre o futuro ocupante da Casa Branca e Pequim. O magnata que comandará, a partir do dia 20, a maior força militar do mundo afirmou que o governo chinês "não ajuda" na questão da Coreia do Norte.

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Limitado aos 140 caracteres, como tem sido em quase todas as declarações desde a noite em que se elegeu, Trump não esclarece exatamente o que seria "ajudar", mas é possível imaginar que enxergue como insuficiente a pressão que Pequim tem exercido sobre Pyongyang para que o país vizinho e aliado abandone suas armas nucleares.

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A ideia de que a China não tem cooperado na pressão sobre o regime dos Kim, no entanto, ignora episódios que, nos últimos anos, demonstraram a irritação crescente de Pequim com o governo norte-coreano. No mais recente destes momentos, em dezembro, a China permitiu a aprovação de um pacote de sanções nas Nações Unidas, bloqueando as exportações de carvão, níquel, zinco, cobre e prata - o prejuízo ao já modesto comércio exterior da Coreia do Norte deve chegar a cerca de US$ 400 milhões anuais.

Trump pode acabar convencendo os chineses de que não vale a pena negociar

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O tom do Partido Comunista Chinês em relação aos norte-coreanos já vem mudando há mais tempo. Desde a ascensão de Xi Jinping ao poder, em 2012, o resfriamento das relações se acelerou, paralelamente a um aquecimento dos laços entre Pequim e Seul. A ex-presidente sul-coreana, Park Geun-hye, manteve seis reuniões com o líder chinês. Na primeira delas, Xi chegou a mencionar a reunificação da Península Coreana como um objetivo desejável. Park foi afastada do cargo em dezembro após acusações de tráfico de influência.

Os chineses ainda impuseram sanções duras às transferências monetárias à Coreia do Norte por meio de bancos do país - decisão que obrigou desde turistas até diplomatas a precisar levar seus recursos em dinheiro vivo a cada viagem a Pyongyang - e intensificaram o diálogo sobre a questão nuclear com os Estados Unidos nos bastidores.

Parece improvável que os chineses decidam mudar de rota e voltar a vocalizar apoio incondicional aos norte-coreanos no momento em que Xi Jinping se prepara para consolidar o processo de reconhecimento da China como economia de mercado fazendo sua estreia no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no dia 17 - uma vitrine que Pequim não pretende manchar com questões como a defesa de Kim Jong-un. Se Trump pretende, de fato, aumentar a fervura para tentar levar os norte-coreanos a desistir de seus armamentos de destruição em massa, pode se preocupar menos com a China e olhar mais para outro lado: seu amigo Vladimir Putin.

Aproximação. A trajetória das relações entre Moscou e Pyongyang segue uma direção diferente daquela de Pequim. Após a queda da União Soviética - maior parceiro comercial e aliado norte-coreano à época -, Boris Yeltsin decidiu se afastar do regime de Kim Jong-il. A decisão custou aos norte-coreanos um longo período de penúria econômica e recrudescimento do autoritarismo por parte do governo. Até hoje, o país ainda sofre com os reflexos da época, mas um ex-agente da KGB começou a alterar os rumos da parceria.

Ao assumir o governo russo, em 2000, Putin decidiu que se reaproximar da Coreia do Norte era uma vantagem estratégica para Moscou, que ainda tinha, por seu lado, as feridas da derrocada da URSS muito vivas. Putin viajou no mesmo ano a Pyongyang, recebendo, no ano seguinte, Kim Jong-il em uma viagem oficial à capital russa. Anos mais tarde, o então embaixador da Rússia na Coreia do Norte, Andrei Karlov, selou a amizade entre os líderes ao organizar uma recepção para entregar a Kim uma medalha comemorativa oficial enviada pelo presidente russo. (Karlov foi assassinado em dezembro de 2106 por um extremista islâmico na Turquia.)

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Após um período mais tenso entre 2009 e 2010, após um novo teste nuclear norte-coreano que forçou a Rússia a autorizar uma condenação formal na ONU, as relações voltaram a melhorar. Dois anos mais tarde, Moscou perdoou a maior parte da dívida bilionária de Pyongyang, consolidando a aproximação.

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Por todos os sinais que tem dado, Trump terá um diálogo muito mais direto com o Kremlin do que manterá com Pequim. Se o futuro presidente americano adotar no governo a mesma preocupação em relação à Coreia do Norte que demonstra no Twitter, terá um caminho mais fácil para tratar da questão via Moscou. Os canais de diplomacia entre russos e norte-coreanos estão mais ativos, a Rússia abriga milhares de trabalhadores norte-coreanos em indústrias e na lavoura perto da estreita faixa de fronteira e os contatos entre Moscou e Pyongyang voltaram a ter como um dos temas vultosas somas de dinheiro - O perdão da dívida, por exemplo, chegou a quase US$ 10 bilhões.

O raro alívio no caixa auxiliou o regime dos Kim a criar grandes projetos - no ano passado, por exemplo, o governo levou a cabo um enorme plano de construção civil em Pyongyang, erguendo edifícios novos e revitalizando uma parte da capital.

Não será fácil. A proximidade entre Trump e Moscou somada às relações entre os russos e o regime norte-coreano não significa, no entanto, que Trump tem garantido qualquer sucesso nas tentativas de demover Pyongyang de manter um de seus principais trunfos estratégicos e uma fonte de renda importante.

O arsenal nuclear norte-coreano, ao mesmo tempo que amedronta a região e o mundo, é uma moeda de troca importante para atrair pacotes de ajuda externa e amparar a fraquíssima economia do regime. Cada teste ou ameaça de teste atômico leva a um choque inicial e à condenação global, mas, posteriormente, à negociação de pacotes de auxílio - a Coreia do Sul oferece anualmente milhões e milhões de dólares em auxílio humanitário aos norte-coreanos, com o objetivo de tentar manter o mínimo de estabilidade na Península e convencer o regime a voltar à mesa de negociações.

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Se decidir orientar sua diplomacia para a questão norte-coreana segundo a mesma lógica que utiliza para alimentar seu Twitter, Trump acabará convencendo os chineses de que não vale a pena negociar com Washington a pressão sobre os Kim. Caso chegue a isso, o tweet dizendo que a China "não ajuda" pode se tornar profecia auto-realizável.

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