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Mundo em Desalinho

Crise coloca em xeque jogo duplo de Bolsonaro com a China

Ao responsabilizar a China pela epidemia global, Eduardo se alinha a Donald Trump, que insiste em se referir ao coronavírus como "vírus chinês"; tensão entre as duas maiores economias do mundo está em patamar alarmante

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

A reação acima do tom dos chineses aos tuítes de Eduardo Bolsonaro indicam que Pequim se cansou do jogo duplo adotado pelo atual governo brasileiro diante das duas maiores economias do mundo: manter inalterada as relações econômicas com a China e, ao mesmo tempo, professar fidelidade ideológica a Donald Trump.

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A crise global do coronavírus elevou a patamares alarmantes as tensões entre Pequim e Washington, que foram agravadas pela expulsão inédita de 13 jornalistas americanos da China nesta semana. O presidente dos EUA claramente escolheu a China como o inimigo externo no momento em que realidade revela a irresponsabilidade de sua posição inicial de minimizar o impacto do coronavírus em seu país.

Ao responsabilizar a China pela epidemia global, Eduardo toma lado na disputa e se alinha a Trump, que insiste em se referir ao coronavírus como "vírus chinês". A prática contraria orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para que se evite vincular epidemias a grupos específicos, que podem se tornar vítimas de discriminação.

O Brasil não precisa nem deve escolher nenhum dos lados na queda-de-braço global entre EUA e China, e pode manter uma saudável equidistância e sobriedade, o que atende aos interesses do país. Não há dúvida de que o Partido Comunista chinês cometeu uma série de erros nas semanas iniciais da epidemia. Os mais graves foram a supressão de informações sobre o novo vírus e a demora em adotar medidas drásticas para combatê-lo.

Mas comparar a situação ao desastre soviético de Chernobyl e decretar que "a culpa é da China", como fez Eduardo, não ajuda em nada no enfrentamento da imensa crise sanitária que atinge o Brasil, na qual o auxílio de Pequim pode ser necessário.

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"O atual governo brasileiro é um seguidor próximo do governo Trump do ponto de vista ideológico, mas eles são oportunistas e hipócritas em termos de cooperação nos terrenos de economia e comércio com a China", disse ao Global Times Zhou Zhiwei, pesquisador de América Latina na Academia Chinesa de Ciências Sociais (ACCS), o think tank oficial do país, cujas posições refletem o pensamento do Partido Comunista. Segundo Zhou, os políticos brasileiros anti-China precisam encarar a realidade de que os laços econômicos com o país asiático são mais importantes do que os existentes com os EUA.

Quase 30% das exportações brasileiras são destinadas à China, o dobro do que é vendido ao mercado norte-americano. O país asiático é o principal cliente do agronegócio brasileiro, que forma uma das bases de sustentação do governo Bolsonaro. Mas a pauta de exportações do Brasil para os EUA tem uma presença maior de produtos manufaturados e de maior valor agregado, enquanto as vendas para a China são dominadas por commodities como soja, minério de ferro e petróleo.

A forte dependência econômica parecia ter suavizado a hostilidade de Bolsonaro em relação a Pequim e revelado os limites de sua política de alinhamento incondicional com os Estados Unidos de Trump. Mas os tuítes de Eduardo evidenciaram o impulso da primeira-família em ecoar a ideologia do atual ocupante da Casa Branca.

Outra pessoa próxima de Bolsonaro, o jornalista Alexandre Garcia, tem disseminado teorias conspiratórias disparatadas, que apresentam o coronavírus como uma criação chinesa para dominar a economia mundial. Isso apesar da perspectiva de que o PIB chinês continuará a sofrer com a retração da demanda global por seus produtos, na medida em que a doença se espalhe por outras regiões.

A China sempre concebeu a relação com o Brasil como algo que vai além do comércio e dos investimentos e abrange a coordenação política em fóruns multilaterais e a defesa de posições comuns de interesse de países emergentes. Bolsonaro parece acreditar que pode colher os benefícios econômicos e ignorar o lado político do relacionamento. A crise atual pode forçá-lo a mudar de posição.

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