O playboy e o crooner Parte 1: a amizade

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Por Cristiano Dias
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Seu avô foi prefeito de Boston. Seu pai, embaixador em Londres. Ele estudou em Harvard. Jogava futebol americano e foi campeão de vela. Chegou a ser tenente da Marinha. Como correspondente internacional, cobriu a Conferência de Potsdam. Casou-se com Jacqueline Bouvier, a socialite mais estonteante do país. Ganhou um Pulitzer. Foi deputado e senador. Rico e bonitão, John Fitzgerald Kennedy era o playboy supremo da América.

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Entre quatro paredes, com um copinho de uísque na mão, os amigos o chamavam de "Jack". Em 1960, aos 43 anos, ele se preparava para se tornar o mais jovem presidente eleito dos EUA. A primeira encrenca eram as primárias democratas. Confiante, o experiente senador Lyndon Johnson, do Texas, ignorou as prévias e preferiu brigar pela vaga na convenção do partido. Para ter alguma chance, Kennedy tinha de superar um problema: sua religião. Nunca um católico havia ocupado a Casa Branca. Para provar que Deus sorria para todos, era preciso vencer a votação em Virgínia Ocidental, Estado protestante, ultraconservador e dominado pelo sindicato dos mineradores.

Quem descascou esse abacaxi foi seu pai, Joseph P. Kennedy, chefe do clã e da campanha, um dos dez homens mais ricos dos EUA, segundo a revista Forbes. Sujeito cheio de segredos, Joe fez fortuna em Wall Street. Antes de ser nomeado embaixador americano em Londres, dirigiu um estaleiro, estúdios de cinema e investiu no mercado imobiliário. Para ter o apoio dos sindicalistas, ele teve a ideia de recorrer a um amigo da família: Frank Sinatra. A conversa foi descontraída. Do outro lado da linha, a voz mais popular da América ouviu um pedido: que seus amigos mafiosos convencessem o sindicato a apoiar "Jack" nas primárias de Virgínia Ocidental. Sinatra aceitou a missão e ligou para Sam Giancana, sucessor de Al Capone e chefão do Outfit, a máfia do sul de Chicago.

Nascido em New Jersey, terra da malandragem americana, Sinatra nunca escondeu suas origens. Dizia que se não fosse a música teria feito carreira no crime. Em 1946, ele aterrissou em Cuba com os irmãos Charlie, Rocco e Joe Fischetti, primos de Al Capone, para participar de um convescote de gangsteres americanos. Na ilha de Fulgêncio Batista, a máfia controlava os cassinos. Hospedado no Hotel Nacional de Havana, Sinatra desceu para o bar e deu de cara com mais de 60 elementos da pior categoria. A panelinha estava completa. "Muito prazer, Lucky Luciano", disse o mais perigoso de todos, condenado a 50 anos de cadeia por comandar uma rede de 5 mil prostitutas nos EUA. Ao seu lado estava Don Vito Genovese. Do outro, Frank Costello. Mais atrás, o pistoleiro Bugsy Siegel.

Os jornais ficaram sabendo do rendez-vous e espinafraram Sinatra. O FBI não curtiu e manteve os seus olhos azuis sob estrita vigilância por mais de 50 anos. Mas o elo do astro com o crime era ainda mais antigo. Sua primeira mulher, Nancy Barbato, era prima de um sócio do mafioso Willie Moretti, que acertava shows para o crooner em início de carreira. Quando Tommy Dorsey vetou a saída de Sinatra de sua big band, nos anos 40, Morretti interferiu. Ele teria enfiado um revólver na boca de Dorsey e ameaçado matá-lo se não liberasse seu apadrinhado. Pouco depois, Sinatra pagou 1 dólar pela rescisão contratual.

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Dizem que Sinatra conheceu JFK em um comício do Partido Democrata, em 1955. Outros afirmam que os dois foram apresentados pelo ator Peter Lawford, membro do Rat Pack, o clubinho dos canalhas montado por Sinatra. Lawford era casado com Patricia Kennedy, irmã de John. Seja como for, o playboy e o crooner formavam uma dupla perfeita: bons vivants, mulherengos, amantes da roleta e do uísque. Era apenas uma questão de tempo até que os dois gravitassem na direção um do outro.

O fascínio era mútuo. Sinatra admirava o estilo e a rápida ascensão de "Jack", que adorava o glamour, as festas e as mulheres que Frank lhe apresentava. Uma delas, a morena Judy Campbell, logo virou amante de JFK. Eles se relacionaram por dois anos - documentados em ligações telefônicas e registros de entrada e saída da Casa Branca. O que Kennedy não sabia é que ela também dividia os lençóis com o infame Sammy Giancana. Em entrevista à revista People, em 1988, a senhorita Campbell disse que acertou vários encontros e trocas de envelopes misteriosos entre seus dois amantes. 

A máfia e a família Kennedy também tinham um caso antigo. Joe nunca foi santo. Larry Sabato, professor da Universidade de Virgínia, e o historiador Seymour Hersh dizem que Sammy costumava quebrar o galho de Joe desde os tempos da Lei Seca, quando o patriarca engordava sua fortuna contrabandeando uísque. Dimitri Logothetis, autor de um documentário sobre Giancana, conta que em seus tempos de muambeiro, Joe Kennedy pisou no calo da Purple Gang, a máfia de Detroit, e estava marcado para morrer. Quem livrou sua cara foi Sammy.

Sinatra sempre negou envolvimento direto com a máfia. No entanto, suas duas filhas, Nancy e Tina, contam outra história. Segundo elas, o pai nem precisou gastar seu charme para convencer Giancana a ajudar JFK: "É questão de um telefonema", teria garantido o mafioso. Hersh diz que Sammy não apenas recrutou os sindicalistas de Virgínia Ocidental, como despejou um caminhão de dinheiro na campanha - na época, os partidos não eram obrigados a divulgar seus doadores. De acordo com Sabato, em troca, Joe ofereceu "os ouvidos" do filho e futuro presidente - o que satisfez o gângster, interessado em tirar o FBI do seu pé.

A vitória em Virgínia Ocidente mostrou que a candidatura de "Jack" à Casa Branca era viável. Com Sinatra ao seu lado, ele ganhava não só o apoio da máfia, mas acesso às festinhas no antológico casino The Sands, em Las Vegas, onde volta e meia JFK aparecia sem a mulher para "arrecadar fundos para a campanha". 

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A candidatura foi selada na Convenção Democrata de 1960, que Sinatra transformou em um grande tapete vermelho: Shirley MacLaine, Tony Curtis, Lee Marvin, Nat King Cole, Sammy Davis Junior, Vincent Price e Lloyd Bridges, todos com Kennedy. Lyndon Johnson foi nocauteado e teve de se conformar com um convite para ser vice. A ideia era que ele ajudasse o partido a vencer no Texas e em Estados do Sul. Agora, apenas um homem separava "Jack" do Salão Oval: Richard Nixon, que seria um osso duro de roer. 

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Sinatra em 1955: "Just one of those things"

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