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Análise: Desafio ao jornalismo

Por Redação Internacional
Atualização:

Chris CillizzaTHE NEW YORK TIMES

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O discurso de Meryl Streep na cerimônia de entrega do Globo de Ouro na noite de domingo, e a resposta de Donald Trump, já se tornaram um jogo de futebol político. Se você gosta de Trump deve ter odiado o sermão oferecido por uma liberal de Hollywood que apoiou Hillary Clinton. Se não gosta de Trump, achou que Meryl falou a verdade para os poderosos e a reação do presidente eleito mostra tudo o que está errado com relação à sua ascensão à Casa Branca.

Essa reação partidária quase instantânea ao discurso da atriz obscurece a frase mais importante do seu discurso: "Precisamos de uma imprensa íntegra que faça os poderosos responderem por seus atos e os repreenda a cada desmando."

Em discurso na premiação do Globo de Ouro, Meryl Streep faz críticas a Trump. ( Foto: EFE)

Trump está certo ao afirmar que Meryl foi uma forte partidária da sua oponente. E, quando ela diz que a mídia tem de repreendê-lo "a cada desmando", provavelmente não é o que diria se Hillary tivesse sido eleita. Mas a primeira parte da sentença, "precisamos de uma imprensa íntegra que faça com que os poderosos respondam por seus atos", é o tipo de coisa que todos os que almejam uma democracia saudável devem aplaudir.

O mais triste da eleição de 2016 - e foi o auge de algo que já vinha se verificando cada vez mais nas eleições presidenciais anteriores -, foi a tentativa quase constante de desqualificar a imprensa, sugerir que a mídia escolheu um lado ou o outro e, portanto, não merece confiança. Trump vilipendiou e desumanizou a mídia como nenhum outro candidato na história moderna.

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Desde a insistência em dizer que a mídia "era formada pelas mais desonestas pessoas" até seus esforços quase constantes com o objetivo de afirmar que jornalistas estavam fabricando notícias para prejudicá-lo, Trump se empenhou de modo implacável para convencer a população de que a mídia era tendenciosa.

Forças aliadas a Hillary também fizeram sua parte e continuam fazendo. A ideia de que sua decisão de criar um servidor de e-mails privado quando era secretária de Estado foi um assunto absurdo coberto pela mídia apenas porque não gostava de Hillary foi o exemplo mais claro.

O fato é que agora a mídia registra quedas recordes em termos de confiança. Somente 8% das pessoas disseram confiar "muito" nos jornais, nos noticiários da TV e nas notícias na internet, segundo a mais recente pesquisa Gallup.

Não há dúvida de que a mídia não está em uma época de glória. Por isso, temos parte da responsabilidade pelo problema da confiança. Mas não se deve subestimar o prejuízo que a imagem sofreu com tentativas constantes, para ganhos políticos, de desqualificar e deslegitimar a prática do jornalismo.

Voltemos à frase. "Precisamos de uma imprensa íntegra para fazer os poderosos responderem por seus atos". Sim, precisamos. Vocês podem odiar a mídia e não confiar mais nela. O que nunca deveriam desejar é a morte, o desaparecimento ou a diminuição do jornalismo.

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Já vimos que o poder não submetido à vigilância é desenfreado. Se vocês gostam da mídia em geral, devem apoiar ao máximo as pessoas que são pagas para checar as promessas feitas pelos políticos, aqueles que os cercam e as medidas que decidem adotar. Sem tal controle, o poderoso torna-se mais poderoso e o impotente tem cada vez menos condições de fazer alguma coisa a respeito.

Essa é uma realidade bipartidária. A capacidade de protestar contra a mídia é um luxo. Muitos dos que se queixam dela gostarão muito menos de um mundo sem uma imprensa livre e independente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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