Análise: Planalto, com uma carta para Hillary e outra para Trump

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Por Redação Internacional
Atualização:

Eliane Cantanhêde*

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Apesar de torcer pela candidata democrata Hillary Clinton, até mesmo em manifestações públicas do chanceler José Serra, o governo brasileiro teve um cuidado especial diante das eleições americanas: o Planalto deixou prontas duas cartas de cumprimentos, uma para o caso de vitória de Hillary, outra para o de vitória do republicano Donald Trump.

Pode-se pensar que esse é um cuidado rotineiro, mas a redação das duas cartas pelos diplomatas que assessoram o presidente Michel Temer revela claramente que no Brasil, como no restante do mundo e nos próprios Estados Unidos, ainda havia dúvidas sobre quem ganharia a eleição mais tensa, agressiva e peculiar da maior potência mundial - e em meio a um cuidadoso processo de reaproximação entre Brasília e Washington, após o distanciamento dos anos Dilma Rousseff.

Michel Temer no Palácio do Planalto Foto: André Dusek|Estadão

A preferência do governo por Hillary estendia-se ao Congresso, onde PMDB, PT e PSDB vivem às turras, mas se unem na ojeriza a Trump. Essa reação poderia render longas teses, mas fica devidamente explicada com uma única frase de importante diplomata brasileiro da ativa: "Hillary não é perfeita, mas é previsível. Trump é totalmente imprevisível."

E por que Hillary não é "perfeita"? Porque ela, por exemplo, poderia ser "pior" do que o do atual presidente Barack Obama em duas questões ao menos: tende a endurecer as posições dos EUA quanto ao conflito no Oriente Médio e ter uma relação conflituosa com Vladimir Putin, presidente da Rússia. Ela, porém, defende teses muito mais aceitáveis não apenas para o governo, mas para a própria sociedade brasileira, em temas como costumes, minorias e América Latina.

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Ao contrário de Hillary, que tem longa atuação política e foi secretária de Estado de Obama, Trump é um arrivista na política interna e na política externa. A lista de temores do Planalto e da diplomacia brasileira é grande: ele poderia fechar os EUA ao restante do mundo e à América Latina, criar efetivamente um muro na fronteira com o México, deportar massas de muçulmanos, desfazer o endosso a protocolos ambientais importantes.

Em entrevista à Globo News, em 5 de maio, Serra admitiu que não é usual o Itamaraty se manifestar sobre eleições de outro país, mas foi exatamente o que ele fez, num estilo de político, que ele é, não de diplomata, que nunca foi. "Espero que a Hillary ganhe as eleições. O Trump é um risco para o mundo", disse. Ele manifestou o temor com a "volta ou emergência de um nacionalismo, de um isolacionismo que nos faria voltar aos anos 30, que tiveram um desfecho trágico que foi a 2.ª Guerra".

Ao Estado, no dia 22 de maio, ele foi provocativo. Diante da pergunta sobre a possibilidade de a vitória de Trump atrapalhar a reaproximação com Washington, respondeu: "Prefiro não acreditar nisso". Ao Correio Braziliense, em 31 de julho, foi demolidor: "Considero a hipótese de Trump um pesadelo. Todos que querem o bem do mundo devem apoiar a Hillary".

*É COLUNISTA

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