Artigo: Entre o presidencial e o carnavalesco

Donald Trump existe em dois planos - o plano presidencial e o da loucura

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Por Redação Internacional
Atualização:

David BrooksTHE NEW YORK TIMES

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Os primeiros cristãos pareciam venerar o comportamento do rei Davi, com danças que levavam ao êxtase, uma alegria comum e o que Emile Durkheim chamou de "efervescência coletiva". Nos primeiros séculos do cristianismo, a adoração de Jesus coincidia com a veneração de Dionísio, o rei grego do vinho e das festas. Mas, quando a Igreja se tornou mais hierárquica, rituais liderados por padres substituíram o acesso direto ao divino.

Quando as elites tentam reprimir os modos e impulsos das pessoas, esses impulsos extravasam de outra maneira. Na Idade Média as catedrais eram estritamente hierárquicas. Foram criados, então, os carnavais onde tudo era virado do avesso. Os carnavais em parte eram uma maneira de as pessoas desafogarem, mas em tempos difíceis seriam também ocasião para revoltas populistas autênticas.

O novo presidente americano, Donald Trum. Foto: A J Mast/The New York Times

A cultura do carnaval era grosseira, escabrosa e vergonhosa e enaltecia um determinado tipo social, o bufão. Há muitos tipos distintos de bufão: os inocentes, os infelizes, os depravados. Os bufões eram rudes e, com frequência, mentirosos descarados. As pessoas desfrutavam da cultura do carnaval, a festa dos bufões, como uma maneira de atacar o status quo. Você percebe onde quero chegar.

Vivemos um período de grande desigualdade social. As camisas de força intelectuais estão mais justas. As universidades se tornaram catedrais modernas onde as hierarquias sociais são definidas e reforçadas.

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Convivemos com as mesmas injustiças que levaram à cultura do carnaval e coroamos um rei louco. Donald Trump existe em dois planos - o plano presidencial e o da loucura. Num plano ele adota decisões pessoais, entre outras. No outro, escreve tuítes.

Seus tuítes constituem um comportamento clássico do louco. São grosseiros, ridículos e frequentemente autodestrutivos. Ele se opõe a um ícone da cultura oficial e joga lama sobre ele. O objetivo não é a mensagem do tuíte. É simbolicamente um meio de destruir a hierarquia, mostrar oposição.

O ataque ao deputado John Lewis foi um exemplo clássico. Trump escolheu uma das figuras mais admiradas nos EUA e fez a acusação mais ridícula possível - "muita conversa e nenhuma ação". Foi uma mensagem bem trabalhada para criar o máximo de comoção oficial.

A parte triste é que muitos tratam seus tuítes como se fossem argumentos quando, na verdade, são carnaval. Os que atacam seus tuítes alimentam a dinâmica de que ele necessita. E contribuem para a cultura carnavalesca.

O primeiro problema dessa cultura é que há um oceano de sadismo sob a superfície. O segundo é que ela não é real. E, na verdade, não resolve as desigualdades que lhe dão origem. É apenas uma mostra de combatividade. Essa é uma resolução que provavelmente vou infringir, mas estou decidido a escrever sobre Trump somente no plano presidencial e não no carnavalesco. Vou tentar responder somente ao que ele faz, não ao que escreve no Twitter. E gostaria que alguns colegas meus agissem da mesma maneira. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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