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Artigo: Trump envia sinais ambíguos à 'turma da 2ª Emenda'

Ao dizer que os defensores das armas poderiam fazer algo para impedir Hillary de derrubar lei, ele incita a violência contra a rival

Por Redação Internacional
Atualização:

Por Thomas L. Friedman / NYT

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E foi assim, senhoras e senhores, que o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin acabou assassinado. Seus opositores da direita começaram a deslegitimá-lo como "traidor" e "nazista" por querer fazer a paz com os palestinos e devolver parte do território de Israel. É claro que na política vale tudo, certo? E eles tinham Deus de seu lado, certo? Não estavam sugerindo a ninguém que assassinasse Rabin. Isso seria horrível.

Mas sempre há gente que não se atém a sutilezas e ouve apenas a grande mensagem: o homem é ilegítimo, é uma ameaça para o país, é como um criminoso de guerra nazista. E todos sabem o que fazemos com pessoas assim: matamos. Foi isso que o extremista judeu Yigal Amir fez com Rabin. E por que não? Ele achava que tinha permissão de todo um segmento da classe política israelense.

Rei Hussein, da Jordânia, premiê israelense Yitzak Rabin, presidente Bill Clinton, líder palestino Yasser Arafat e presidente do Egito Hosni Mubarak duante conversações de paz de 1995 Foto: Paul Hosefros/The New York Times

Alerta. Em setembro escrevi uma coluna alertando que a linguagem de Donald Trump sobre os imigrantes poderia acabar incitando esse tipo de violência. Mas nem em meus sonhos mais loucos achei que ele sugeriria - com seu usual jeito afetado e distorcido - que Hillary Clinton estivesse a tal ponto empenhada em acabar com a Segunda Emenda (que garante o direito de portar armas) que entusiastas dessa emenda poderiam tentar algo para impedi-la. Tentar o quê, exatamente? Isso Trump deixou em suspenso.

"Hillary quer abolir, essencialmente abolir, a Segunda Emenda", afirmou Trump num encontro em Wilmington, Carolina do Norte, na terça-feira. "A propósito, e se ela escolher seus juízes, não há nada, pessoal, que vocês possam fazer. A turma da Segunda Emenda, talvez, não sei."

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É claro que assessores de Trump, reconhecendo que suas palavras foram incendiárias demais, negaram imediatamente que ele estivesse sugerindo aos proprietários de armas que fizessem alguma coisa para ferir Hillary. Deus do céu, nunca! O candidato, insistiram, estava apenas se referindo ao "poder da ação conjunta". Essas pessoas da Segunda Emenda, vocês sabem, adoram encher um ônibus e votar juntas.

Mas não foi isso que Trump disse. O que ele disse foi ambíguo - levemente ameaçador, mas deixando margem para a negativa plausível de que, obviamente, não estava sugerindo um assassinato. De novo, foi como na história de Rabin. Quando escrevi sobre esse tema, no último outono (no Hemisfério Norte), foi para recomendar enfaticamente o filme Rabin: The Last Day, do diretor israelense Amos Gitai, lançado no 20.º aniversário do assassinato do premiê.

Isabel Kershner, de The Times, escreveu de Israel quando o filme estreou: "O filme não é ambíguo sobre as forças que considera responsáveis" - rabinos extremistas e colonos militantes que viam Rabin como traidor, políticos de direita que desencadearam a "onda de incitamento tóxico contra Rabin ao fazerem campanha contra os Acordos de Oslo" e os serviços de segurança que falharam em detectar que o incitamento poderia fugir de controle.

"Rabin ficou quase invisível nas duas primeiras horas do filme", escreveu Isabel. "Binyamin Netanyahu, na época líder oposicionista, aparece numa hoje infame sequência cinematográfica falando num inflamado encontro de direitistas de uma sacada na Praça Zion, em Jerusalém. Na praça, manifestantes pediam a morte de Rabin - o "traidor" - e empunhavam pôsteres com fotomontagens do primeiro-ministro usando uniforme das SS." Netanyahu, hoje primeiro-ministro, insiste que não viu os pôsteres ou ouviu os gritos de ameaça.

Tenho certeza de que é isso que os adeptos de Trump também vão dizer. Mas Trump sabe o que está dizendo, e como isso é perigoso no mundo de hoje. No ano passado vimos uma explosão de ações terroristas de lobos solitários desencadeadas nos Estados Unidos e Europa. São homens e mulheres vivendo nos limites da sociedade, alguns fichados por crimes menores, frequentemente com problemas psicológicos, geralmente descritos como "vivendo isolados" e quase sempre imersos em redes sociais jihadistas que os incentivavam. Tinham ouvido o sinal. Tinham inspiração e permissão divinas para executar o trabalho de Deus. Não se intimidavam com frases vagas.

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Além disso, um conselheiro informal de Trump para o segmento de veteranos, Al Baldasar, deputado estadual republicano de New Hampshire, já declarou que Hillary deveria ser "fuzilada por traição" pelo modo como se conduziu no atentado terrorista de Benghazi.

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Durante a convenção republicana, com suas repetidas exortações do tipo "prendam Hillary", um colunista do jornal israelense Haaretz com base nos Estados Unidos, Chemi Shalev, escreveu: "Como a extrema direita de Israel, muitos republicanos ignoram convenientemente o fato de que palavras podem matar. Há muita gente com tendências à violência que não consegue distinguir entre estratégia política e exortações a salvar o país com quaisquer meios disponíveis. Se alguém duvida, basta pesquisar sobre Yigal Amir, o assassino de Yitzhak Rabin, que se inspirou na retórica raivosa lançada contra o primeiro-ministro na esteira dos Acordos de Oslo".

Tem gente aqui brincando com fogo, e não há maior incendiário do que Donald Trump. Política à parte, ele é um ser humano repugnante. Seus filhos deveriam ter vergonha dele. Rezo para que seja não apenas derrotado, mas para que perca em todos os 50 Estados americanos de modo a que a mensagem cruze os Estados Unidos, sem ambiguidades, alta e clara: gente como você nunca mais deveria pisar aqui. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É COLUNISTA, ESCRITOR E GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER

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